Morrissey, ex-Smiths, escreve autobiografia e vem ao Brasil

Por biblu
De O Globo
Morrissey, ex-líder dos Smiths, fala sobre sua vida e sua música
Um dos maiores letristas do rock inglês, cantor diz que o pop moderno não tem salvação
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Morrissey no palco: aos 52 anos, o cantor acaba de escrever sua biografia e se apresenta na Fundição Progresso no dia 9 de março<br />
Foto: Divulgação
Morrissey no palco: aos 52 anos, o cantor acaba de escrever sua biografia e se apresenta na Fundição Progresso no dia 9 de março
RIO - Aos 52 anos, Stephen Patrick Morrissey, conhecido apenas pelo último nome, bem poderia ser um personagem de Charles Dickens: a cara de inglês antigo (de sangue irlandês, como atestam o nome Patrick e a música "Irish blood, English heart", um de seus sucessos), hoje com rugas e as têmporas grisalhas; a destreza com as palavras; o humor amargo e o sofrimento inerente à sua poesia o colocariam como uma luva em um romance do venerável autor de "David Copperfield", "Grandes esperanças" e "Oliver Twist".
Um dos grandes letristas do rock inglês, primeiro à frente dos Smiths, nos anos 1980 — a banda durou apenas cinco anos e terminou, reza a lenda, em uma conversa em um pub, regada a cerveja e ervilhas —, e em carreira solo desde 1988, talvez o único esporte que Morrissey pratica melhor do que a música seja a opinião. "Na Inglaterra, obviamente, a minha vida se resume principalmente a batalhas jurídicas, acusações de racismo e críticas assassinas", afirma ele, que já deixou seu país natal para viver na Itália e nos EUA, e atualmente se diz apaixonado por Santiago, no Chile, onde foi uma das atrações do Festival de Viña Del Mar, na semana passada. Nesta segunda ele se apresenta na capital chilena e segue pela América do Sul, com shows na Argentina, no Peru e na Colômbia.
No Brasil, canta músicas como "First of the gang to die", "Everyday is like Sunday" e talvez até "I know it’s over", dos Smiths, no dia 9 de março, na Fundição Progresso, além de passar por Belo Horizonte (dia 7, no Chevrolet Hall) e São Paulo (dia 11, no Espaço das Américas. Na conversa por e-mail, Mr. Morrissey atesta que a música moderna não tem salvação, embora se orgulhe muito de sua obra
Como você se sente quando é chamado de lenda? Você ouve muito sua própria música? O que acha dela?
MORRISSEY: Acho que a palavra lenda significa algo que pode ou não ser verdade. Não significa o que as pessoas geralmente acham que significa! Historicamente, sempre estive em uma posição de credibilidade, e, depois de 30 anos, ninguém pode me acusar de ser uma puta ou um escravo. Isso certamente quer dizer alguma coisa. O orgulho que tenho da minha música certamente incomoda muita gente, mas eu acho que ele é cheio de verdade, além de continuar significativo até hoje. Por favor, não me jogue no mesmo lugar em que está o resto das piranhas do pop.
Você enxerga alguma influência sua na música de hoje em dia? De que artistas novos você gosta?
Eu acabo ouvindo tudo, mas as pessoas, na maioria, são atrozes. A imprensa musical — o que sobrou dela! — fala bem dos amigos, só escreve sobre os amigos e inventa prêmios para entregar aos amigos mês sim, mês não. Mas não tem ninguém no planeta que ache que a música moderna tem salvação.
É verdade que você completou sua autobiografia? O que se pode esperar dela?
Sim, acabei de escrever a minha autobiografia, e estou muito orgulhoso. Os elefantes invejam a minha memória. É uma história fascinante. Na Inglaterra, obviamente, a minha vida se resume principalmente a batalhas jurídicas, acusações de racismo e críticas assassinas, mas nos outros países é muito diferente, ela é vista de forma muito positiva. Tudo isso está documentado. Os nomes dos inocentes serão publicados, e os culpados, protegidos. (Ele já disse à revista "Billboard" que o livro é "tão longo quanto ‘Moby Dick’" e que sua data de publicação, em dezembro deste ano, permitirá que ele "desapareça no Brasil central".)
Você critica muito as letras da música pop, dizendo que elas não têm significado. É difícil escrever uma boa letra? Você se envergonha de alguma que compôs?
Algumas não envelheceram tão bem. Mas, depois de 30 anos, isso é de se esperar. De modo geral, tenho muito orgulho. É incrivelmente raro ouvir uma boa letra pop em 2012, e a ideia de esperar impacientemente para ouvir uma música nova de um artista porque você quer saber o que ele tem a dizer é absolutamente antiquada.
Você já emitiu opiniões radicais sobre música, ao falar de gêneros como o reggae e o rap. Você ainda os acha tão ruins?
Sempre adorei reggae. Em 1984, eu disse, brincando, a um jornal musical britânico que "o reggae é nojento". Eles me levaram a sério, e essa afirmação está por aí até hoje. (Ele inclusive tem reggaes no repertório, como "Redondo Beach".) Não gosto de rap porque nele não há melodia vocal, e porque eu me sinto como se estivesse sendo golpeado na cabeça, em vez de me permitirem simplesmente ouvir uma obra musical. Além disso, o rap geralmente é ouvido por pessoas que querem mais o barulho do que a substância. O rap hoje em dia é tocado por toda parte, em situações que não têm o menor significado, porque as pessoas parecem não estar ouvindo. Ele simplesmente está lá, enchendo o saco.
Como ativista do meio ambiente, você acompanha as notícias a respeito da política brasileira em relação à Floresta Amazônica? O que acha dela?
A Amazônia brasileira e o meio ambiente em geral estão sendo, em sua maior parte, destruídos para que se abra espaço para a indústria da carne. Se as pessoas continuarem a comer animais, o mundo vai para a merda. Se os líderes mundiais se importassem com o meio ambiente, eles fechariam os abatedouros. Mas eles não farão isso. E nada disso tem a ver com o fornecimento de comida. A única preocupação é o lucro.
Você morou na Itália e em Los Angeles. São lugares melhores para se viver do que a Inglaterra? De que outros países você gosta?
No momento, estou apaixonado por Santiago. É uma cidade tão bonita, calma e feliz... A minha cabeça é muito inconstante, então, na próxima semana, provavelmente vou querer morar na Islândia, embaixo da terra. Meu ideal, na verdade, seria morar em uma igreja enorme. Mas elas raramente aparecem no mercado, e devem ser muito caras para se aquecer. Já estou me vendo, pendurado nos sinos às 18h, todas as tardes, vestindo uma longa batina e cantando "The world is full of crashing bores". (Música dele cujo título significa "O mundo está cheio de grandes chatices".)