sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

abaixo blog do luis nassif

Mais evidências


O fato é que se os primeiros tempos da municipalização foram marcados por um debate ideológico, o mesmo não precisa acontecer agora. Outro pesquisador que se dedica ao estudo do assunto nos últimos anos é Valdecir Soligo, doutorando em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, no Rio Grande do Sul. Estudando as avaliações em larga escala, Soligo também se deparou com mais mazelas, entre elas a falta de cuidado com as especificidades locais.



"No Sul, municipalizar a educação não significou autonomia de gestão nem independência financeira. É um processo que vem de cima para baixo, de forma muito semelhante no conjunto dos municípios, como se não houvesse diferenças sociais, econômicas e políticas entre os municípios e regiões", diz. O diagnóstico não é diferente do encontrado por Pissaia, para quem as mudanças de critério do processo devem começar pela própria definição do IBGE e do Inep, que chamam de pequenos municípios aqueles com menos de 20 mil habitantes. Para ele, há uma grande diferença de realidade entre esses e aqueles que têm menos de 10 mil habitantes - esses, sim, de fato pequenos, como argumenta em seu estudo. É o caso de Cândido Rodrigues, que possui apenas 2.668 habitantes.



"No município de maior porte, quando o secretário precisa de um engenheiro, tem um só para educação. Se precisa de um contador, há um contador específico para isso, e o RH, idem. No pequeno, você não tem a estrutura, e é duro cuidar de tudo", relata. O argumento de Pissaia, somado ao medo de descontinuidade do Fundeb, vem se constituindo em uma das principais justificativas utilizadas por prefeituras em todo o país para postergar o plano de carreiras para os professores e para implementar o piso salarial mínimo docente estabelecido por lei. Dados do Plano de Ações Articuladas (PAR), do MEC, apontam que apenas 43% (ou quase 2.400) das cidades brasileiras apresentam plano de carreira para os profissionais do magistério. Para o levantamento, foram ouvidos 5.532 dos 5.565 municípios. Além disso, a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) vem afirmando constantemente à imprensa que o piso nacional docente "quebrará os municípios". Um levantamento feito pelo órgão em 2011 em 1.851 cidades revelou que pelo menos 622 pagavam salários inferiores ao estabelecido pela lei.



Em contrapartida, é possível perceber que as prefeituras e secretarias municipais pouco entendem da estrutura burocrática do MEC, que oferece programas específicos de auxílio às redes. Na busca de apoio para enfrentar os desafios de sua secretaria de Educação, Pissaia acabou por liderar um grande movimento em sua região, mobilizando outros secretários para aproveitar as portas abertas por programas como o Levantamento da Situação Escolar, e o PAR, que alguns de seus colegas sequer conheciam.



Quadro semelhante vem à tona quando o assunto é a suplementação de verba da União destinada aos municípios que não conseguem arcar com o custo do piso nacional docente. Até agosto de 2011, nenhum deles havia recebido o benefício - o problema é a falta de adequação das redes aos critérios exigidos pelo MEC para o repasse de verba. Uma reportagem publicada na edição 22 da revista Escola Pública ("Piso incerto") levantou o caso da cidade de Cedro (PE), que precisaria providenciar o demonstrativo de gestão plena para ter o pedido de suplementação aprovado. "Precisamos comprovar que os recursos serão gerenciados pela própria secretaria de Educação, mas isto ainda é feito pela prefeitura", contou Maria de Fátima Sedrim, secretária de Educação, à revista.



Regime de colaboração

Para os críticos da municipalização, a maneira pela qual o processo foi levado a cabo no Brasil faz com que nem mesmo uma definição mais clara dos papéis seja capaz de endireitar a sinuosa estrada da educação. "Por incrível que pareça, o regime de colaboração parece ser utópico para a realidade brasileira. Muito se fala, mas nada se faz para ampliar o diálogo entre municípios, estado e União", critica Soligo. Segundo o pesquisador, o caminho atual é o da fragmentação do sistema. Ele cita movimentos de reintegração da rede ao Estado em Minas Gerais e na Bahia como exemplos de que há uma falência da proposta pela falta de consistência das políticas educacionais.



Arthur Fonseca Filho, do Conselho Estadual da Educação de São Paulo, defende que o regime de colaboração deveria ir além do que se discute hoje. Arthur, que já foi secretário municipal da Educação em Sorocaba, espanta-se com a duplicação das redes em diversas cidades. "Num mesmo município, há escolas trabalhando com currículos, metas e políticas diferentes, o que não faz nenhum sentido", lembra. "A capital São Paulo é o mais típico exemplo disso", complementa. Para ele, uma proposta realmente efetiva de colaboração deveria incluir os planos estaduais de educação e a definição de expectativas de aprendizagem válidas em todo o território nacional.



Há quem prefira, mesmo, um passo em outra direção, como é o caso de José Marcelino - que não está sozinho, e foi antecedido por uma respeitável linhagem de pesquisadores contrários à municipalização, como José Mário Pires Azanha e Luiz Antônio Cunha. Para ele, são igualmente falsas as premissas que vinculam municipalização a melhor gestão e à participação social. "A tradição predominante das cidades não é a da democracia, mas do coronelismo, e não parece que o processo tornou a escola mais próxima da população", contrapõe Marcelino. Para ele, seria melhor convergir para um sistema público único no âmbito do estado, mas com base municipal democratizada, com intensa participação dos conselhos municipais de educação. "O que não dá é termos 5 mil sistemas de ensino diferentes", defende.



Foco no aluno

Para Cleuza Repulho, qualquer que seja o caminho encontrado, é preciso que todas as decisões sejam tomadas pensando-se em um ator que vem sendo esquecido pelas políticas da área: o aluno. Ela acredita que a proximidade conferida pela gestão municipal favorece a qualidade, mas acha que todos os debates devem ser orientados pelo melhor atendimento às crianças e adolescentes. Afinal, redes municipais demonstram melhor desempenho do que as estaduais? A resposta é: depende. Os resultados variam conforme o contexto em que ocorre a implantação.



É justamente essa a conclusão de um relatório elaborado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) com base nos resultados da edição de 2009 do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa). O estudo aponta que o caminho para a qualidade de ensino passa pela instituição da autonomia (no caso, a ponta do sistema seria a escola), mas que não há um modelo único a ser seguido. Países como Coreia do Sul e Finlândia (com médias de 541 e 543, respectivamente, na prova, em uma escala de 0 a 600), distribuem as tarefas de maneira mais ou menos centralizada entre escolas, autoridades regionais ou nacionais.



Em um contexto de tantas indefinições, pelo menos um dado é consensual. Da forma como vem acontecendo em muitos estados, a municipalização vem gerando, sim, uma malha burocrática que se caracteriza pela baixa sinergia, pela duplicidade de esforços e pela escassez de racionalidade administrativa. Quem perde é o aluno - um brasileiro que nada tem a ver com as confusões legais que o país acumula ao longo de sua vida republicana.



Gestor multitarefa

No interior paulista, um secretário municipal que trabalha em uma saleta, dividido entre funções administrativas e pedagógicas



Deborah Ouchana, de Cândido Rodrigues (SP)



Vitor

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