sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

.O padrão sangria na política monetária


Enviado por luisnassif, sex, 03/02/2012 - 16:21

Autor: Luis Nassif

Vamos ampliar um pouco mais a discussão sobre a relação Selic-PIB. Vou antecipar a coluna do próximo domingo.



A maneira como a Selic impacta a economia lembra muito o uso de sanguessugas para o uso da sangria no tratamento de saúde. Se contasse para um médico como a Selic atua sobre a economia, haveria denúncia ao Conselho Federal de Medicina.



O Banco Central aumenta a Selic e ocorrem os seguintes eventos:



1. O efeito sobre o canal de crédito é mínimo.



Um comentarista comentou que a cada aumento da Selic seu banco aumenta as taxas de juros. Experimente calcular o efeito sobre o valor final da prestação. Dado o elevadíssimo nível de juros do crédito, variações da Selic têm impacto inexpressivo sobre o valor final da prestação.



Por exemplo, um bem de R$ 1.000,00, por 36 meses a taxa de 3% ao mês (42,6% ao ano) resultará em uma prestação de R$ 45,80. Um aumento de 1 ponto na Selic (que provoca comoção nacional), se repassado para o financiamento, resultará em uma prestação de R$ 46,21. Um aumento de 3 pontos na Selic anual resultará em uma prestação de R$ 47,03. Pergunto: impactará a decisão de compra do consumidor? Evidente que não. Portanto, o efeito do canal de crédito é inexpressivo.



2. Há impacto sobre decisões de investimento privado.



Suponha um investimento de R$ 1 milhão, com uma taxa anual de retorno de 10% e um prazo de 10 anos para amortização. O fluxo de caixa terá que ser de R$ 162,7 mil por ano para amortizar o investimento em 10 anos (sem considerar o valor residual). Se a taxa aumenta 3 pontos, o prazo de retorno aumenta para 14 anos. É evidente que ocorre um corte em todos os investimentos que proporcionem um retorno inferior.



É uma lógica maluca. A política monetária atua sobre a demanda visando corrigir o descompasso com a oferta. Em vez de aumentar a oferta, a política monetária a reduz, através da inibição dos investimentos.



Só o país da jabuticaba para aceitar essa lógica.



3. Um terceiro efeito é sobre o câmbio.



Aumenta a Selic, atrai mais capital especulativo, que pressiona o câmbio tornando mais baratos os chamados produtos exportáveis - os importados e aqueles controlados por cotações internacionais.



É o uso da sangria no tratamento médico. Interfere-se em um preço fundamental da economia, com implicação direta sobre as contas externas e sobre a competitividade, para atingir o objetivo de controlar a inflação. Mesmo assim, hoje em dia é pequeno o efeito cambial sobre os preços.



4. Reduz investimentos públicos.



Esse é o ponto mais nefasto da operação sangria.



Aumenta a Selic. Há uma pressão adicional sobre as contas públicas e sobre a relação dívida/PIB. Para contrabalançar, exige-se um aumento do superávit primário. Cortam-se investimentos públicos e, com isso, reduz-se a demanda agregada.



Depois, alega-se que o país não pode crescer (e tome juros altos para segurar o crescimento) porque não tem infraestrutura adequada.



Ou seja, eventuais impactos da Selic sobre o PIB ocorrem da maneira mais torta possível.

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