"Governo chinês protegeu o sector bancário"


Por Paulo F.

Governo chinês protegeu excessivamente o sector bancário

Do Expresso.pt

O académico Xu Hongcai fala das razões da recente decisão do Banco Popular da China em "relaxar" a política monetária ao descer o rácio de reservas dos bancos em meio ponto percentual. O que se integra numa "onda de alívios" à escala internacional virada para apoiar a economia real.

As especulações sobre um novo "relaxamento" da política monetária chinesa já dominavam os media há algum tempo. Finalmente concretizaram-se. Esta semana, o banco central - o Banco Popular da China - deu mais um passo. Baixou o rácio de reservas para os grandes bancos em mais meio ponto percentual, para 20,5%. "Trata-se de um claro sinal de uma política de expansão da oferta de moeda para evitar uma queda no crescimento económico da China, no contexto atual de uma complicada situação internacional e doméstica", diz-nos Xu Hong Kai, professor da Universidade de Pequim e dirigente do China Center for International Economic Exchanges, o mais importante grupo de reflexão chinês.

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Em final de novembro do ano passado, o banco central já havia tomado esse caminho, interrompendo a estratégia de aperto da política monetária que vinha seguindo desde 2009, procurando contra-atacar a inflação, particularmente nos produtos do cabaz alimentar, e a "bolha" imobiliária. Em 2011, o banco central havia aumentado o rácio das reservas bancárias em seis momentos e mexido três vezes nos juros dos depósitos e dos empréstimos. Na altura, o banco central baixou o rácio de reservas dos grandes bancos de 21,5% para 21% e dos pequenos bancos para 19%.

Onda internacional


Estima-se que a decisão do banco central permita alargar a capacidade de financiamento da economia em €41,7 a 47,8 mil milhões. Alguns analistas falam de mais descidas nos próximos seis meses. O movimento dos banqueiros centrais chineses junta-se a uma onda de "alívios quantitativos", com diferentes desenhos, em vigor. A Reserva Federal norte-americana mantém a "Operação Twist" e deu indicação de que manterá o nível de juros próximo de 0% até bem dentro de 2014. O Banco de Inglaterra anunciou recentemente uma extensão em mais 50 mil milhões de libras (€59 mil milhões) do seu programa de "alívio quantitativo". O Banco Central Europeu, apesar de repudiar as estratégias de "alívio quantitativo", lançou um programa adicional de fornecimento de liquidez à banca da zona euro conhecido por LTRO a 3 anos, cuja primeira operação foi em dezembro e a próxima agora no final de fevereiro.

Esta onda internacional pretende evitar o regresso de uma recessão mundial ou impedir agravamento de situações de recessão económica em alguns países ou de estagnação. No caso da China, a dor de cabeça é a taxa de crescimento. Há um limiar sagrado, a que os chineses chamam baobá, de 8%, um limiar abaixo do qual o crescimento anual não poderá descer, sob pena de colocar em risco toda a estratégia económica do país desde a revolução capitalista de Deng Xiaoping no final dos anos 1970.

A trajetória tem sido descendente: "A economia chinesa cresceu 9,2% em 2011, abaixo dos 10,3% de 2010. Entretanto no quarto trimestre de 2011 baiou para 8,9%, o crescimento mais baixo nos últimos dez trimestres. A previsão para 2012 é ainda mais baixa, uma média anual de 8,5%. Recentemente, as pequenas e médias empresas manifestaram problemas de financiamento e a crise externa, com a crise da dívida europeia e a alta taxa de desemprego nos Estados Unidos, tiveram impacto na procura de produtos chineses. O comércio bilateral entre a China e a União Europeia caiu mais de 7% em janeiro deste ano", refere-nos Xu.

Quatro desafios


O problema de fundo é o da transição de um "modelo" económico para outro. "O abrandamento do crescimento reflete a enorme dificuldade em mover o modelo orientado para a exportação noutra direção", diz Xu, que vê "quatro desafios pela frente".

O primeiro tem a ver com a dinamização do consumo interno, tanto mais que há uma desigualdade crescente nos rendimentos - "um problema ainda mais sério que pode ameaçar a estabilidade social e a sustentabilidade do desenvolvimento económico", sublinha o académico. "O objetivo de estimular o consumo das famílias continua difícil", conclui.

O segundo desafio é lidar com os efeitos das crises externas. O que se liga com o problema da mudança do modelo. "Até agora a economia chinesa continua baseada nas exportações e no investimento governamental em capital fixo", alerta o economista.

O terceiro é a dívida interna muito elevada dos governos locais. "Um legado do plano de estímulos de €440 mil milhões que levou a investimentos em grandes projetos de infraestrutura que, provavelmente, conduziram a crédito mal parado dos bancos", adianta. Xu toca no que considera um ponto fulcral: "O governo protegeu excessivamente os interesses do sector bancário, o que prejudicou, até certo ponto, os interesses das famílias e das empresas. E, desse modo, essa política distorceu a estrutura económica".

Finalmente, há o desafio da competitividade, sobretudo das empresas privadas. Estas começaram a lidar com o problema do aumento dos custos do trabalho e da apreciação progressiva da moeda chinesa e até há algum tempo atrás com a falta de financiamento. Uma tenaz que requer ser eliminada.