Política econômica: a inércia vencendo o futuro

Coluna Econômica - 28/02/2012
Ao romper com a inércia no campo social, Lula mudou a fase da economia, abrindo espaço para a explosão do mercado interno.
Dilma poderia repetir o mesmo processo no campo econômico, rompendo com a inércia e colocando a competitividade interna no centro da política econômica.
Mas dificilmente arrostará com o pacto econômico atual, que inclui apenas mercado financeiro, grandes grupos nacionais e grandes fornecedores do Estado.
Para não se criar expectativas falsas sobre o governo Dilma Rousseff considere-se que:
  1. No plano microeconômico significará um salto na gestão pública. As sucessivas medidas de transparência pública, de criação de indicadores de acompanhamento - inclusive online - representam um avanço inédito na máquina pública.
  2. Sem mudanças, no plano macroeconômico será um governo inercial, assim como foi o governo Lula, com alguns aprimoramentos pontuais na política fiscal - liberando mais recursos para investimentos - e na política monetária - com a ação corajosa do Banco Central de reduzir a taxa Selic. Mas apenas isso. Por prudência, não haverá ruptura com o modelo atual - o que é bom. Por excesso de cautela, porém, não se avançará no espaço aberto pela explosão do mercado interno de consumo.
O resultado será a entrega do mercado interno aos importados ou aos setores internos cartelizados.
É muito difícil aos governos romper com a realpolitik. E por tal entenda-se o atendimento preferencial das demandas dos setores politica e economicamente influentes. Pela própria dificuldade de governar, tende-se sempre a privilegiar as linhas de menor resistência.
A política econômica brasileira atende a três públicos específicos: mercado, grandes multinacionais brasileiros, grandes fornecedores de serviços para o Estado (empreiteiras, concessionárias e setores que trabalham sob encomenda das grandes estatais).
Qualquer medida que esbarre em resistência de parte do grupo é paralisada; qualquer medida que não tenha o apoio explícito de parte do grupo não avança.
Por exemplo, a competitividade interna exige que a política monetária tenha como foco o crédito final para a economia. Para tanto teria que atuar firmemente para reduzir o spread bancário. Mas significaria arrumar atritos com bancos e comprometer a arrecadação fiscal. Então, não se avança.
Vive-se uma guerra cambial mundial e a emergência da China potência. A única providência do Ministro da Fazenda são discursos pela paz mundial e nem uma única medida eficaz para defender sua cidadela contra a invasão bárbara. Porque significaria abrir linhas de desgaste com o mercado.
O custo Brasil é cada vez mais alto, há um enorme conjunto de micro-reformas à espera de soluções, a burocracia para pequenas e médias empresas, a carga fiscal. Mas como não está no foco no arco de apoio, joga-se para segundo plano.
A queda da Selic, por si, está produzindo uma revolução no mercado. Em geral, pode-se dizer em dois grupos de influência: a confraria da Selic (os rentistas que vivem das apostas nos juros) e dos gestores de renda variável. A queda dos juros tornará o primeiro grupo definitivamente anacrônico e abrirá espaço para a grande reestruturação da poupança.
Mas para onde irá essa poupança, sem que se criem as condições de competitividade no mercado interno?

Grupos vitoriosos

Hoje em dia, os grupos vitoriosos são, primeiro, o mercado. Segundo, os grandes grupos com poder de monopólio, que estão se internacionalizando. Sua lógica é a de toda multinacional: acumulam capital no país, graças ao poder de mercado, e reinvestem em outros países. Terceiro, os grandes fornecedores de serviços ao Estado, empreiteiras, estaleiros e a cadeia produtiva que será fortalecida pelo pré-sal.

Destruição do tecido industrial

Cria-se uma nação forte, competitiva e, principalmente, sustentável? Creio que não. A cada dia que passa, mais o tecido industrial brasileiro, a malha econômica formada por milhares de empresas e seus fornecedores, vai se esgarçando. Não são processos que se criem da noite para o dia. São anos e anos sendo formados e, agora, indo para o ralo. É uma desconstrução social que levará anos para ser recomposta – se for, algum dia.

O espaço na Fazenda

Some-se a isso um Ministro da Fazenda tímido, pouco ousado, mais cauteloso na redução de juros do que as próprias autoridades monetárias, sem nenhum sentido de urgência. Um Ministro forte ajudaria o governo a ser mais ousado, a avançar sem passar do limite da prudência. Mas Dilma está prisioneira do seu próprio modelo de montar um Exército ministerial sem oficiais e sem Estado Maior, só com sargentos.

As marcas do governo Dilma

O governo Dilma conseguiu definir uma marca: o da eficiência gerencial e do combate à extrema miséria. É uma ótima marca, mas é insuficiente. Definiram-se esses dois polos – relevantes porém insuficientes - porque são neutros, não produzem resistências nem contraindicações. Se quiser marcar a história do país terá que ser muito mais ousada. E ser ousada não significa afrontar os princípios da economia e da responsabilidade fiscal.

A janela de oportunidade - 1

O país tem toda condição para o grande salto de competitividade que acelerará e tornará irreversível o desenvolvimento interno. Ganhou ferramentas de gestão pública extraordinárias, focou em políticas sociais eficientes, criou um mercado interno poderoso, deflagrou uma dinâmica de desenvolvimento regional e social. E tem uma presidente que acumulou enorme cacife em seu primeiro ano de governo, ganhando luz própria.

A janela de oportunidade – 2

Mais que tudo isso, aprendeu a pensar grande, a ter foco em muitas áreas, a romper com a inércia fiscal, a fugir da cartilha mediocrizante dos cabeças de planilha. Falta a ousadia final, a de montar um Estado Maior na Economia capaz de levar adiante a grande batalha consolidadora, de criação de um ambiente interno competitivo, que garanta a geração de empregos, a consolidação das pequenas e micro empresas, planejando o futuro.