sábado, 7 de janeiro de 2012

.Filme "Margin Call" despolitiza Crise Financeira


Enviado por luisnassif, sab, 07/01/2012 - 19:04

Autor: Wilson Ferreira (cinegnose.blogspot.com)





“Margin Call – O Dia Antes do Fim” (Margin Call, 2011) é um filme de reação ideológica às graves denúncias sobre as origens da crise financeira global de 2008 (cujos desdobramentos ainda continuam) feitas por documentários como “Trabalho Interno” de Charles Ferguson ou “Capitalismo: Uma História de Amor” de Michael Moore. “Margin Call” despolitiza os fundamentos da crise ao se levar a sério como um “thriller” matemático-financeiro. Embarca no hermetismo dos números para subliminarmente provar ao espectador leigo que, no final, toda a turbulência econômica surgiu por “erros de estimativa de volatilidade” colocando entre parêntesis os fatores demasiadamente humanos: relações promíscuas das elites financeiras com o Estado e a Política.



É bastante conhecido o papel ideológico que Hollywood sempre desempenhou, desde os esforços patrióticos durante a Segunda Guerra Mundial até a chamada “Política de Boa Vizinhança” durante o governo do presidente Roosevelt quando foi incentivada a promoção de artistas latino-americanos ao estrelato cinematográfico como tática de cooptação política.



O que impressiona atualmente é o “timing” da contra-propaganda ideológica dos filmes hollywoodianos.



Depois da explosão da bolha imobiliária e dos empréstimos hipotecários que arrastaram os mercados globais para a crise em 2008, assistimos às denúncias expostas por documentários como Trabalho Interno (Inside Job, 2010). Premiado com o Oscar de melhor documentário, o diretor Charles Ferguson deu os nomes de diretores, executivos e empresas (de seguros, bancos de investimentos etc.) e descreveu a engenharia financeira irresponsável que torrou dinheiro público e fez poucos ficarem milionários com a explosão da “bolha” financeira. E, o que é mais grave, demonstrou que os artífices dessa engenharia estiveram conscientes o tempo todo, ao jogar em dois lados: ao mesmo tempo em que apostavam deliberadamente na inadimplência das hipotecas, asseguravam aos seus clientes a “saúde” financeira dos papéis podres que comercializavam.



Em seguida Hollywood contra-ataca com duas produções ficcionais: uma que glamouriza a produção de fortunas nos mercados finananceiros; e a outra que traduz as origens da crise financeira global em um “erro de cálculo”.



A primeira reação foi o filme “Sem Limites” (Limitless, 2011) onde toda a suspeita da engenharia financeira de Wall Street é “naturalizada” ou “matematicizada” através da estória da descoberta do algoritmo de sucesso que garante a fortuna e o sucesso. Se o documentário “Trabalho Interno” denunciava que todas as fortunas do mercado financeiro provinham de “bolhas” criadas por falcatruas possibilitadas pela desregulamentação e relações promíscuas entre Estado e especuladores, em “Sem Limites”, ao contrário, o sucesso provém de fórmulas matemáticas e a utilização total do cérebro através de “smart drugs”.



A segunda reação é o recente filme “Margin Call – O Dia Antes do Fim”. Se no filme “Sem Limites” temos a história do algoritmo de sucesso inventado por uma mente esperta, em “Margin Call” temos a estória de algoritmos que produzem “números que não se somam” reduzindo a explicação da crise financeira global a um “erro de estimativa dos índices de volatilidade”.







A narrativa começa quando um andar inteiro de uma firma de investimentos é sobressaltada com a notícia de que a maioria do quadro de funcionários será demitida. Eric Dale (Stanley Tucci) é um dos demitidos que, ao sair, entrega uma “pen drive” para um jovem operador financeiro e avisa: “de uma olhada e tome cuidado!” Na verdade, Dale entrega dados sobre uma verdadeira bomba- relógio financeira armada nas duas últimas semanas de operações: negócios com papéis cujos níveis de volatilidade extrapolaram os limites de risco. Previsão: as perdas serão maiores que o valor da própria empresa, condenando-a à falência a curtíssimo prazo!



Reúne-se a cúpula da empresa para uma reunião emergencial que atravessa a madrugada. Gerentes de avaliação de risco, diretores, executivos e o próprio dono da empresa, John Tuld (Jeremy Irons), todos parecem ter sido pegos de surpresa. Todos em estado de choque e envolvidos numa atmosfera de tensão, tentando encontrar o demitido Dale para que ele não vaze a informação ao mercado no dia seguinte e tentando articular alternativas para se livrar dos títulos hipotecários podres: ou eliminam as informações dos livros contábeis através de uma falcatrua ou empurram a bomba mercado a baixo, arrasando a credibilidade da empresa junto aos clientes.









E na Cúpula ninguém sabia de nada...









Para uma organização tão verticalmente hierárquica como ambientado na narrativa, o filme apresenta uma curiosa divisão que subverte todos os preceitos de qualquer empresa real: de um lado os operadores de financeiros, com muitos engenheiros (civis e até espaciais) que usam seus conhecimentos matemáticos para criar modelos algorítmicos herméticos; do outro gerentes, diretores e o próprio dono da empresa que nada entendem sobre o hermetismo das operações, como fala um dos gerentes ao operador que descobriu o conteúdo da “pen drive”: “Céus. Sabe que não entendo essa coisas. Traduza para o inglês”.



Ou ainda, o apelo feito por John Tuld, diante dos olhares atônitos de toda a cúpula: “Talvez possa dizer o que está havendo aqui. E, por favor, fale como com uma criança... ou um golden retriever!”



Ou seja, informações estratégicas, táticas e, principalmente, de engenharia financeira passam longe da cúpula hierárquica. Inacreditavelmente, todos da cúpula parecem leigos, assim como os espectadores. E, mais do que isso, a narrativa glamouriza e, ao mesmo tempo, reduz a crise financeira a modelos matemáticos extrapolados pela insensibilidade de “nerds” obcecados por números.







Em uma inacreditável manobra ideológica, a irresponsabilidade ética ou moral é invertida: se no documentário “Trabalho Interno” o foco está na irracionalidade nas relações promíscuas entre Estado e diretores/presidentes de empresas e na desregulamentação irresponsável dos mercados financeiros, em “Margin Call” a culpa são dos operadores que desenvolvem modelos financeiros com excessiva volatilidade aplicados sem a cúpula da empresa ter conhecimento e muito menos entender as consequências já que são completamente leigos sobre a engenharia do negócio.



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