.Os rumos da música afro no Brasil
Enviado por luisnassif, sab, 07/01/2012 - 18:57
Autor: Guilherme Xavier Toledo
Letieres Leite e a Orkestra Rumpilezz, grande referência do afrojazz
GUILHERME XAVIER RIBEIRO
Afrobeat, afrosamba, afrorap, o prefixo está em alta mais uma vez, mas com um detalhe: agora está enclausurado pela ceninha indie da Rua Augusta e de um ou outro nicho de consumo cultural alternativo que pouco tem a ver com as origens desse som ancestral.
Foi 2011 que revelou fabricantes dessa arte em altíssimo nível qualitativo. Bixiga 70, Metá-Metá, Mc Ralph, entre outros nomes que ergueram a música afro a um nível incerto, de público virtual e restrito, totalmente desvencilhado da efervescência cultural negra e periférica que surgia no Pelourinho e em outros bairros de Salvador há mais de três décadas.
Mas apesar dessa limitação ao público blogueiro, "na medida em que for se expandindo, a música afro vai encontrar reflexo na periferia". É o que afirma o maestro Letieres Leite, um dos mais premiados músicos do país e grande referência da música afrobrasileira, hoje à frente da também premiada Orkestra Rumpilezz e seu afrojazz.
Confira a entrevista com o Letieres abaixo:
O TEMPO DO AFRO
A nova maneira de observar a música afrobrasileira é um fato. Eu percebi pessoas do Sudeste com bastante interesse em conhecer a música ancestral de maneira mais esquematizada, entendendo as suas origens. Recursos dessa música foram usados no disco de Mariana Aydar, no projeto do Kiko Dinucci, do Bexiga 70, de Otto, isso, de certa maneira, acaba criando uma corrente com o pessoal do Nordeste também, com grupos de percussão de Recife, do Maranhão, e esse tipo de recurso vale pra qualquer tipo de música, cai no rock, no eletrônico, no erudito.
SONORIDADE AFROBEAT
É uma música sem aqueles clichês, aquelas convenções, aquela música intuitiva. É uma música que tem ciência, organizada, que tem rigor, complexidade, ao contrário do que as pessoas podem imaginar, essa música tem total consciência do que está acontecendo, mas o fato de ela não ter passado por dentro da academia e por uma sistematização rigorosa dentro da visão européia, faz com que ela tenha essa visão menor. Mas as pessoas estão percebendo isso."O país tem uma pretensa democracia racial que não existe."
CULTURA NEGRA
O país tem uma pretensa democracia racial que não existe. Culturalmente há problemas seríssimos de aceitação da cultura negra como cultura elaborada. Esse é um problema sério de identidade, de aceitar a miscigenação nas pessoas. O país é negro, não é branco.
LIMITAÇÃO DA MÚSICA AFRO À CLASSE MÉDIA
Negros longe do afrobeat é um fato, isso merece uma boa discussão, um entendimento. Acontece no Rio e em São Paulo, aqui em Salvador menos. O pessoal que produz o afrobeat de Salvador está na periferia, vem do final da década de 70, num bairro da Liberdade, em Salvador, onde tiveram alguns músicos. É ao contrário de São Paulo onde só a classe média teve acesso à música afro, porque as informações estão circulando dentro desse ambiente virtual, então as pessoas privilegiadas no acesso à internet conhecem primeiro."...o capital das oligarquias a usurpou de maneira avassaladora, utilizando a criatividade da música produzida na periferia pra gerar renda, dinheiro.
"Mas na Bahia aconteceu ao contrário. Era produzida lá na periferia, e o capital das oligarquias a usurpou de maneira avassaladora, utilizando a criatividade da música produzida lá na periferia pra gerar renda, dinheiro.
Eu acho que como esse movimento no Sudeste começou no meio virtual, na medida em que ele for expandindo ele vai encontrar reflexo na periferia, porque dificilmente você vai para um lugar de predominância negra no Brasil que não haja pessoas identificadas com esses ritmos por causa da ligação da religião, como o candomblé, que é a matriz desses ritmos, assim como o samba. Às vezes a gente esquece, mas o samba é um ritmo afrobrasileiro. Seu primeiro DNA veio na amarra dentro de um navio negreiro.
O AFRO COMO MÚSICA DE MASSA
Esse é o perigo, porque a concepção dessa grande mídia é um pensamento extrativista, não tem replante, é pegar pra poder fabricar um lucro exorbitante e depois jogar no lixo o que sobrou. Eu acho difícil de que essa música seja absorvida dessa maneira. Primeiro pela sua origem e depois porque esses próprios sistemas midiáticos gigantes estão ruindo. Hoje não são grandes árvores, são plantações grandes. Os grandes conglomerados de produção de música na indústria fonográfica não metem mais medo como metiam há 20 anos atrás. Antes um artista ficava na sombra dessa árvore esperando algum dia uma fruta dar um vacilo pra poder chegar perto dela. Hoje você consegue, em diversos formatos, fazer com que seu trabalho seja difundido. Eu acho que o afro está bem identificado com essas novas maneiras. A tendência é que a música ancestral caminhe por caminhos de fibra ótica. Ela vem da argila pra caminhar por fibra ótica."Ela [a música afro] vem da argila pra caminhar por fibra ótica."
AFRO COMO MOVIMENTO, A EXEMPLO DO HIP HOP
Isso já existe em vários estilos musicais, o que eu estou percebendo é que todo esse pensamento passa por ideias coletivas. Isso não é uma coisa isolada porque a indústria lançou, ou que a moda ditou. Isso tem a ver com o mundo. Estão se esgotando as coisas individuais, as famílias, a realidade pequena, as pessoas tem mais é que olhar pro lado, é uma questão de sobrevivência. A arte exala o que está acontecendo do mundo. Ela pode gerar o movimento, mas também pode ser fruto dele."Estão se esgotando as coisas individuais, as famílias, a realidade pequena [...] é uma questão de sobrevivência."FUTURO A tendência é que cada a música tenha cada vez menos traços regionais, sendo que o grande nome para a música no futuro seria música universal. Eu percebo que a produção está mais equilibrada com seus elementos, não tem quase mais nada exacerbado, muita tecnologia ou muita acústica. Tudo tem sido usado de uma maneira mais inteligente. E isso está acontecendo em todo o mundo, vejo isso em Instambul, Buenos Aires, na Nigéria. Com menos noções individualistas e cedendo mais no coletivo, com colaborações.
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Enviado por luisnassif, sab, 07/01/2012 - 18:57
Autor: Guilherme Xavier Toledo
Letieres Leite e a Orkestra Rumpilezz, grande referência do afrojazz
GUILHERME XAVIER RIBEIRO
Afrobeat, afrosamba, afrorap, o prefixo está em alta mais uma vez, mas com um detalhe: agora está enclausurado pela ceninha indie da Rua Augusta e de um ou outro nicho de consumo cultural alternativo que pouco tem a ver com as origens desse som ancestral.
Foi 2011 que revelou fabricantes dessa arte em altíssimo nível qualitativo. Bixiga 70, Metá-Metá, Mc Ralph, entre outros nomes que ergueram a música afro a um nível incerto, de público virtual e restrito, totalmente desvencilhado da efervescência cultural negra e periférica que surgia no Pelourinho e em outros bairros de Salvador há mais de três décadas.
Mas apesar dessa limitação ao público blogueiro, "na medida em que for se expandindo, a música afro vai encontrar reflexo na periferia". É o que afirma o maestro Letieres Leite, um dos mais premiados músicos do país e grande referência da música afrobrasileira, hoje à frente da também premiada Orkestra Rumpilezz e seu afrojazz.
Confira a entrevista com o Letieres abaixo:
O TEMPO DO AFRO
A nova maneira de observar a música afrobrasileira é um fato. Eu percebi pessoas do Sudeste com bastante interesse em conhecer a música ancestral de maneira mais esquematizada, entendendo as suas origens. Recursos dessa música foram usados no disco de Mariana Aydar, no projeto do Kiko Dinucci, do Bexiga 70, de Otto, isso, de certa maneira, acaba criando uma corrente com o pessoal do Nordeste também, com grupos de percussão de Recife, do Maranhão, e esse tipo de recurso vale pra qualquer tipo de música, cai no rock, no eletrônico, no erudito.
SONORIDADE AFROBEAT
É uma música sem aqueles clichês, aquelas convenções, aquela música intuitiva. É uma música que tem ciência, organizada, que tem rigor, complexidade, ao contrário do que as pessoas podem imaginar, essa música tem total consciência do que está acontecendo, mas o fato de ela não ter passado por dentro da academia e por uma sistematização rigorosa dentro da visão européia, faz com que ela tenha essa visão menor. Mas as pessoas estão percebendo isso."O país tem uma pretensa democracia racial que não existe."
CULTURA NEGRA
O país tem uma pretensa democracia racial que não existe. Culturalmente há problemas seríssimos de aceitação da cultura negra como cultura elaborada. Esse é um problema sério de identidade, de aceitar a miscigenação nas pessoas. O país é negro, não é branco.
LIMITAÇÃO DA MÚSICA AFRO À CLASSE MÉDIA
Negros longe do afrobeat é um fato, isso merece uma boa discussão, um entendimento. Acontece no Rio e em São Paulo, aqui em Salvador menos. O pessoal que produz o afrobeat de Salvador está na periferia, vem do final da década de 70, num bairro da Liberdade, em Salvador, onde tiveram alguns músicos. É ao contrário de São Paulo onde só a classe média teve acesso à música afro, porque as informações estão circulando dentro desse ambiente virtual, então as pessoas privilegiadas no acesso à internet conhecem primeiro."...o capital das oligarquias a usurpou de maneira avassaladora, utilizando a criatividade da música produzida na periferia pra gerar renda, dinheiro.
"Mas na Bahia aconteceu ao contrário. Era produzida lá na periferia, e o capital das oligarquias a usurpou de maneira avassaladora, utilizando a criatividade da música produzida lá na periferia pra gerar renda, dinheiro.
Eu acho que como esse movimento no Sudeste começou no meio virtual, na medida em que ele for expandindo ele vai encontrar reflexo na periferia, porque dificilmente você vai para um lugar de predominância negra no Brasil que não haja pessoas identificadas com esses ritmos por causa da ligação da religião, como o candomblé, que é a matriz desses ritmos, assim como o samba. Às vezes a gente esquece, mas o samba é um ritmo afrobrasileiro. Seu primeiro DNA veio na amarra dentro de um navio negreiro.
O AFRO COMO MÚSICA DE MASSA
Esse é o perigo, porque a concepção dessa grande mídia é um pensamento extrativista, não tem replante, é pegar pra poder fabricar um lucro exorbitante e depois jogar no lixo o que sobrou. Eu acho difícil de que essa música seja absorvida dessa maneira. Primeiro pela sua origem e depois porque esses próprios sistemas midiáticos gigantes estão ruindo. Hoje não são grandes árvores, são plantações grandes. Os grandes conglomerados de produção de música na indústria fonográfica não metem mais medo como metiam há 20 anos atrás. Antes um artista ficava na sombra dessa árvore esperando algum dia uma fruta dar um vacilo pra poder chegar perto dela. Hoje você consegue, em diversos formatos, fazer com que seu trabalho seja difundido. Eu acho que o afro está bem identificado com essas novas maneiras. A tendência é que a música ancestral caminhe por caminhos de fibra ótica. Ela vem da argila pra caminhar por fibra ótica."Ela [a música afro] vem da argila pra caminhar por fibra ótica."
AFRO COMO MOVIMENTO, A EXEMPLO DO HIP HOP
Isso já existe em vários estilos musicais, o que eu estou percebendo é que todo esse pensamento passa por ideias coletivas. Isso não é uma coisa isolada porque a indústria lançou, ou que a moda ditou. Isso tem a ver com o mundo. Estão se esgotando as coisas individuais, as famílias, a realidade pequena, as pessoas tem mais é que olhar pro lado, é uma questão de sobrevivência. A arte exala o que está acontecendo do mundo. Ela pode gerar o movimento, mas também pode ser fruto dele."Estão se esgotando as coisas individuais, as famílias, a realidade pequena [...] é uma questão de sobrevivência."FUTURO A tendência é que cada a música tenha cada vez menos traços regionais, sendo que o grande nome para a música no futuro seria música universal. Eu percebo que a produção está mais equilibrada com seus elementos, não tem quase mais nada exacerbado, muita tecnologia ou muita acústica. Tudo tem sido usado de uma maneira mais inteligente. E isso está acontecendo em todo o mundo, vejo isso em Instambul, Buenos Aires, na Nigéria. Com menos noções individualistas e cedendo mais no coletivo, com colaborações.
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