O furacão econômico se forma na Europa

Por Assis Ribeiro
De A Redação
A crise do euro e o Brasil
Eliane de Carvalho
Quando cheguei na Espanha, em 2006, o país vivia um excelente momento econômico e uma das coisas que mais me chamava a atenção era a quantidade de guindastes pendurados em todo o horizonte. Tanto fazia se estivesse em Barcelona ou em qualquer outro lugar do país, o crescimento imobiliário era um dos aspectos mais visíveis da pujança econômica espanhola.
Os preços beiravam a estratosfera. Um apartamento de cem metros quadrados e bem localizado, em Barcelona, ultrapassava a cifra de um milhão de euros. O mercado estava aquecido, havia liquidez e crédito fácil, que foram seguidos por dívidas e mais dívidas. Uma hora a bolha tinha que estourar e não podia ter sido em pior momento: pouco antes do início da crise financeira internacional, em 2008.
A partir daí, a curva passou a ser descendente e a Espanha já não pôde cumprir  os limites de dívida e déficit, impostos pela União Européia. Mas o problema é muito maior que a Espanha. A crise de dívida pública européia é alardeada em todos os meios de comunicação e para marcar os países em piores condições na Europa, foi criada a sigla Pigs (Portugal, Irlanda, Grécia e  Espanha -Spain, da grafia em inglês), que dá margem à muitas interpretações!
Pois um dos porquinhos, aliás o menor deles, está fazendo a Europa cambalear. A Grécia  sempre foi um problema para a UE, porque nunca fez o dever de casa, desde sua entrada no clube. A economia doméstica está mergulhada em um déficit acumulado de 40 pontos do PIB, quando o Plano de Estabilidade e Crescimento europeu determina um limite de 3%.
O país perdeu a capacidade de honrar seus compromissos financeiros e para evitar a quebra, pediu socorro à UE. Em maio de 2010, o Banco Central Europeu começou o trabalho de resgate ao comprar os bônus da dívida grega, apesar da forte oposição alemã, a principal economia européia. Em agosto daquele ano, o programa de compra de dívida soberana do BCE foi reativado para ajudar à Itália e Espanha. O resgate aos três países já custou ao Banco um total de 120 bilhões de euros.
Agora, o governo de Atenas precisa receber os 8 bilhões previstos da sexta remessa do pacote de resgate, urgentemente, mas a UE não se põe de acordo. O governo alemão já declarou que não quer se endividar em conjunto com seus sócios. A pressão chegou ao ponto do economista-chefe do BCE, o alemão Jurgen Stark, se demitir por se opor à compra da dívida grega.
O presidente do Eurogrupo (formado pelos ministros de economia e finanças dos países da zona do euro, Comissário Europeu de Assuntos Econômicos e Monetários e presidente do Eurogrupo), Jean-Claude Juncker, já avisou que só decidirá sobre a Grécia após ler o relatório da troika (formada pela Comissão Européia, BCE e Fundo Monetário Internacional), que deverá estar pronto no começo de outubro. O relatório informará se a Grécia cumpre os compromissos de redução de déficit, reformas estruturais e privatizações.
Até o momento, o FMI tem sido complacente em relação às iniciativas européias de resgate dos países endividados da zona euro e é preciso lembrar que a Europa tem um grande poder sobre o Fundo, que reflete o pensamento dominante. Resta saber se o FMI atuará com o mesmo rigor fiscal, que tradicionalmente oferece a clientes com menos influência política.
Se a Grécia não paga suas dívidas e quebra, a crise pode ter um efeito cascata nos 17 países, que adotam o euro como moeda e ir muito mais além.
Somada à crise de dívida soberana, a Europa enfrenta ainda o risco de uma crise bancária. Segundo o FMI, os bancos europeus tiveram uma perda de valor de 400 bilhões de euros, um recuo de 40%, entre janeiro e agosto.
A persistência dos problemas financeiros chamaram a atenção para outra debilidade do velho continente:  o dilema político. A incapacidade para lidar com o problema da Grécia, uma das menores economias da região, inspira pouca confiança sobre a habilidade para abordar ameaças muito maiores apresentadas pela Itália e Espanha, em dificuldades contínuas de refinanciar suas dívidas a custos razoáveis.

O Brasil não está imune
A gravidade da crise européia também preocupa os países emergentes. Ao contrário de décadas passadas, quando as instabilidades das economias menos desenvolvidas contagiavam às  mais avançadas e necessitavam o resgate dos organismos multilaterais, agora os emergentes temem a contaminação dos problemas sofridos pelos ricos.
Mesmo  com fundamentos econômicos sólidos, o Brasil não está imune à crise. As linhas de crédito para importação e exportação brasileiras, em bancos europeus, diminuíram e estão mais caras. Nossos exportadores  já buscam financiamentos nos bancos americanos e asiáticos, que têm muita liquidez, mas passaram a exigir mais garantias, porque sabem que as vendas das empresas para o exterior vão recuar com a desaceleração da economia dos países desenvolvidos.
Os sinais da crise do euro já aparecem na China e podem trazer consequência para o Brasil, porque o país asiático é um grande importador das nossas matérias primas. O dado preliminar sobre a atividade manufatureira, na China, recuou em setembro, indicando que o crescimento, na segunda maior economia do mundo, continua a desacelerar, devido ao enfraquecimento da demanda mundial pelos produtos chineses.
O Brasil, além da China, Rússia, Índia e África do Sul, que formam o grupo dos países emergentes chamado Brics, se reuniram em Washington, em setembro, para negociar uma ajuda conjunta à Europa, como a compra de títulos do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira.
Mas ficou claro que os cinco emergentes possuem interesses muito diferentes. A China prefere transferir recursos para a região, através o FMI, e aumentar seu poder dentro do Fundo. A Rússia está com sua capacidade de apoio debilitada, porque já está afetada pelas turbulências européias. E, a presidente Dilma Rousseff, já afirmou que o Brasil contribuirá com a busca de soluções, mas sem participar das operações de socorro financeiro.
A falta de acordo para socorrer a Europa, deixa dúvidas sobre a capacidade do grupo Brics para influenciar as decisões econômicas e financeiras mundiais. O grupo falhou em estabelecer uma estratégia comum e a reunião ficou abaixo das expectativas das próprias autoridades dos cinco emergentes.

A União Européia agoniza
A crise do euro é fato e ameaça até o conceito do bloco. Se a Grécia abandonar a moeda comum, o problema se expandir e o euro quebrar, a existência da União Européia pode ser posta em xeque e seu desmantelamento seria um retrocesso não só para o continente, mas para o mundo todo.
A União Européia é resultado de um projeto ambicioso, concebido dentro da cultura de liberdade, organizado com flexibilidade para garantir a democracia e assegurar a preservação das tradições, línguas, costumes e crenças de todos os países membros.
A criação de uma Europa integrada e sem fronteiras serviu para reduzir as expressões de sentimentos nacionalistas, que resultaram em muitas matanças, ao longo da história.
No momento em que o conceito da UE é questionado, vale a pena lembrar, que nesses quase 60 anos de existência da União, o velho continente vive em paz. Os conflitos armados destas últimas décadas, como o dos Balcãs, aconteceram fora dos limites da União.
Se a Espanha não tivesse se incorporado à UE, teria tido uma transição da ditadura à liberdade, da pobreza à prosperidade, com a rapidez vivida?
Além de ser um antídoto contra nacionalismos, a União Européia, em tempos de globalização econômica, é uma aliança com muito mais força para competir na conquista de mercados, que um país isoladamente, que em uma crise como esta, pode ser levado à insolvência de um dia a outro. Que a quase sexagenária UE possa sobreviver e seguir como inspiração para blocos muito mais jovens como o Mercosul.