Democracia e ruptura na América Latina

Por Jotavê
Comentário no post "Sobre lições de diplomacia"
A questão de fundo continua a ser a seguinte: é possível lutar pela substituição de um sistema econômico por outro (ou seja, lutar por uma "ruptura") sem incorporar, no horizonte dessa luta, a instituição (por provisória que se a considere) de um regime totalitário, capaz de impor à sociedade a "nova ordem" que se quer instituir?
Muitos de nós (e me incluo nesse grupo) não veem em governos como os de Lugo, de Chávez, de Lula, etc. uma "etapa" em direção a uma ruptura. Mas muitos veem as coisas exatamente assim. Governos "progressistas" de esquerda, mesmo limitados no que diz respeito à possibilidade de promoverem a tal ruptura, permitem o florescimento de movimentos sociais que, eles sim, podem ocasionar, mais à frente, uma mudança efetiva do sistema econômico vigente.
Muitos de nós ouvem os ecos dessa estratégia e, porque respondem negativamente à pergunta que formulei no primeiro parágrafo, e também por considerarem que governos "populistas" de esquerda só atrasam o progresso econômico dos países em que se instalam, passam a justificar medidas à margem das instituições em nome de um purgamento imediato da doença, que corte o mal pela raiz.
Respondo negativamente à pergunta que formulei no primeiro parágrafo: não há "ruptura" sem ditadura. Vendo-os de longe, através das lentes da grande imprensa, acho que alguns governos de "esquerda" instalados recentemente na América Latina (mas não todos eles!) são ineficientes, populistas e atrasam o desenvolvimento econômico da região. Lugo e Chávez são, a meu ver, exemplos de governos desse tipo. Lula é um contraexemplo a ser oferecido a qualquer tentativa de generalização apressada dessa tese. Mesmo assim, acho que as instituições democráticas devem ser estritamente respeitadas, sem nenhum tipo de compromisso com golpes disfarçados ou assumidos.
A América Latina tinha que passar por governos de esquerda como os de Lugo, Chávez, Lula, Morales, etc. O conflito distributivo existente na região é imenso, e tem que ser enfrentado já, e não deixado para daqui a cinquenta ou cem anos, quando todos estaremos mortos. O desafio (muito bem compreendido e enfrentado por Lula) é fazer AS DUAS coisas: distribuir renda, sem bagunçar o sistema produtivo, sem brigar com o capitalismo, permitindo que o país cresça. Nem todos tiveram a sorte que nós tivemos. Pagarão caro por isso.
No entanto, apesar de não ter a menor simpatia por governos como o de Lugo ou de Chávez, acho que tentativas de golpe branco, como essa a que assistimos no Paraguai, são contraproducentes. Quem se fortalece nesse processo é exatamente o líder populista, que emerge do episódio como um mártir. Só é possível consolidar a "vitória" com uma ditadura de dez, vinte anos, como as que tivemos na América Latina durantes os anos 60. Não há nada disso no horizonte de nenhum país. Haverá eleições. Lugo, ou seu candidato, será um concorrente fortíssimo e, se voltar, voltará tendo diante de si um país profundamente dividido. Terá que se escorar ainda mais nos movimentos sociais para sobreviver, e acabará fazendo besteiras ainda maiores do que aquelas que já fez.
Estamos condenados à democracia, enfim. Graças a Deus.