A discussão sobre os limites da pesquisa científica
Enviado por luisnassif, seg, 25/06/2012 - 10:19
Por Vinicius
Carioca
Capítulo final
de Célio Yano
A publicação de um artigo na edição desta sexta-feira (22/6) da Science representa o fim de uma novela que se arrastava há quase um ano no meio científico. O texto, enfim disponibilizado aos leitores da revista, descreve como um grupo de pesquisadores do Centro Médico Erasmus, da Holanda, criou uma mutação no vírus da gripe aviária (H5N1) de modo que o agente se tornasse transmissível entre mamíferos por via aérea.
A polêmica começou em dezembro, quando o NSABB solicitou à Science que não publicasse o material na íntegra, sob a alegação de que poria em risco a saúde pública mundial
O trabalho foi submetido em agosto de 2011. A polêmica começou em dezembro, quando o Painel Científico Consultivo para Biossegurança dos Estados Unidos (NSABB , na sigla em inglês) solicitou à Science que não publicasse o material na íntegra, sob a alegação de que a divulgação do estudo poria em risco a saúde pública mundial. Em mãos erradas, a técnica de mutação poderia ser usada para fabricação de armas biológicas.
O mesmo pedido foi feito à Nature, que havia recebido trabalho semelhante de um grupo da Universidade de Wisconsin-Madison, nos Estados Unidos. No estudo norte-americano, os pesquisadores haviam criado um vírus altamente transmissível entre mamíferos combinando genes do H1N1, responsável pela gripe suína, responsável pela pandemia de 2009, com o H5N1.
Ainda em dezembro, a Organização Mundial da Saúde (OMS) seguiu a posição do NSABB e criticou duramente os trabalhos. O governo holandês também embargou a licença dos cientistas de seu país.
- O estudo polêmico utilizou furões para criar um mutante do vírus H5N1 capaz de ser transmitido entre mamíferos. A variante desenvolvida em laboratório, no entanto, reagiu bem aos medicamentos existentes e nenhum dos animais infectados morreu. (foto: USFWS Mountain Prairie/ Flickr – CC BY 2.0)
Em janeiro passado, pesquisadores de ambos os grupos decidiram paralisar por 60 dias os estudos, como forma de protesto. Para eles, a publicação parcial dos artigos – com omissão de detalhes, como sugerido pelo NSABB e pela OMS – significava censura. O virologista Ron Fouchier, do Centro Médico Erasmus, explicou que o objetivo dos trabalhos é, desde o início, entender melhor como o vírus da gripe aviária pode eventualmente se tornar transmissível entre mamíferos na própria natureza.
Em fevereiro, a OMS reviu sua decisão e decidiu pela publicação dos trabalhos na íntegra, com mais detalhes sobre objetivos, benefícios e riscos do projeto
Ao longo dos últimos meses, o NSABB chegou a propor que o material fosse disponibilizado apenas para indivíduos selecionados, o que foi criticado, porque essa seleção tomaria muito tempo e não impediria o vazamento das informações.
Em fevereiro, a OMS reviu sua decisão a respeito do caso e decidiu que os trabalhos deveriam ser publicados na íntegra, porém com explicações mais detalhadas sobre os objetivos do projeto, benefícios para a saúde pública, riscos envolvidos e informações sobre biossegurança.
O NSABB e o governo holandês acataram a orientação da OMS. O artigo dos pesquisadores da Universidade de Wisconsin-Madison foi publicado na Nature no dia 2 de maio. Pesquisadores de grupos não ligados ao trabalho o elogiaram por esclarecer mecanismos ainda não conhecidos sobre a transmissão do H5N1.
O trabalho
No artigo publicado na Science, os pesquisadores descrevem como alteraram o vírus H5N1 para que se tornasse transmissível entre furões. O animal foi escolhido por apresentar sintomas de gripe semelhantes aos de humanos.
“Revisamos dados publicados sobre mutações naturais que levaram às pandemias de gripe em 1918, 1957 e 1968”, explica Fouchier em nota enviada à imprensa. “Em cada um desses vírus encontramos mutações em genes da enzima polimerase e hemaglutinina [proteína que liga o vírus à célula hospedeira], que foram cruciais para a replicação em humanos e outros mamíferos.”
Os pesquisadores então fizeram as mesmas mutações em um vírus da gripe aviária e introduziram o agente infeccioso no focinho dos furões. Após ser transmitido 10 vezes por contato direto entre os furões, o vírus adquiriu capacidade de se transmitir pelo ar.
O lado bom é que o grupo descobriu também que o vírus H5N1 transmissível por via aérea é sensível ao medicamento antiviral oseltamivir, mais conhecido pela marca comercial Tamiflu, e reage bem com vacinas da gripe feitas a partir de cepas do vírus H5N1. “Nenhum dos furões morreu após a infecção por via aérea com o H5N1 mutante”, afirmam os pesquisadores no artigo.
Fouchier garante ainda que não há risco de o vírus mutante ter escapado do laboratório. “A pesquisa é realizada em uma instalação especial que proporciona a máxima segurança para seres humanos e para o meio ambiente.”
Amplo destaque
A edição desta semana da Science traz uma seção especial sobre o vírus H5N1, que também é destaque na capa da publicação. Além de dois trabalhos do grupo do Centro Médico Erasmus – um que descreve a técnica de mutação do vírus e outro que discute a potencialidade de uma pandemia natural de gripe aviária –, a revista publica artigos que tratam de discussões sobre a regulação no meio científico.
Anthony Fauci: “A pesquisa deve ser conduzida e publicada somente se os potenciais benefícios para a sociedade sejam maiores que os riscos para a segurança nacional”
Em um deles, o diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos, Anthony Fauci, afirma que “a necessidade de investigação básica e clínica sobre a gripe é inquestionável”. Mas ele ressalta que é preciso que a sociedade civil esteja envolvida na discussão sobre pesquisas que tenham utilização dúbia, ou seja, que possam ser utilizadas para o ‘mal’.
“A pesquisa deve ser conduzida e publicada somente se os potenciais benefícios para a sociedade sejam maiores que os riscos para a segurança nacional”, argumenta Fauci no artigo.
Em comunicado à imprensa, o editor-chefe da Science, Bruce Alberts, agradece ao NSABB por reconsiderar a decisão e afirma que a controvérsia teve um efeito positivo: a sensibilização da opinião pública para o risco representado pelo H5N1. “Agora, pesquisadores de todo o mundo terão oportunidade de aprender a partir desses dados e avançar no conhecimento sobre o vírus.”
Célio YanoCiência Hoje On-line/ PR
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