sábado, 7 de janeiro de 2012

.Piza x Sabino, o culto da inveja intelectual


Enviado por luisnassif, sab, 31/12/2011 - 13:26

Autor: Luis Nassif

Tinha começado a escrever este texto semanas atrás mas deixei de lado. A notícia da morte de Daniel Piza me fez retomá-lo. É sobre o invejoso intelectual, quando confrontado com o talento. Piza foi uma das vítimas desse tipo bizarro.



A inveja e a mediocridade, nas artes, é tema que já mereceu trabalhos clássicos. De Antônio Cândido, ensaios sobre Silvio Romero, o grande escritor sergipano, mas que padecia do mal da inveja. De Eça de Queiroz um livro publicado postumamente, "As Cidades", onde o personagem principal é um jovem provinciano que imagina-se autor de grandes feitos, mas que não consegue escapar do destino frio da mediocridade.



Não existe inveja maior e mais destrutiva do que a inveja intelectual, comentava comigo minha ex-mulher Renata, no auge da guerra da Veja, observando os escritos de Mário Sabino. É massacrante porque independe de hierarquias, de sucesso profissional do invejoso.



O invejoso intelectual pode ocupar provisoriamente um alto cargo. De lá, olhará para o intelectual anônimo, e, dispondo da capacidade exacerbada de reconhecer o gênio, mesmo ocasionalmente poderoso invejará com todas suas forças o talento que não lhe foi concedido. E amaldiçoará Deus ou a natureza.



No jornalismo, nenhum personagem contemporâneo exprimiu de forma tão explícita esse binômio mediocridade-inveja quanto o ex-diretor de Veja, Mário Sabino. Nos diversos órgãos de imprensa pelos quais passou, notabilizou-se pelo ódio intestino, malcheiroso, destrutivo, contra qualquer centelha de talento que passasse por seus olhos.



Na Veja, a falta de filtros e de discernimento dos proprietários - e o fato de ser homem de confiança de Serra na publicação - deixaram o terreno fértil para a mais degradante demonstração de inveja intelectual que a mídia já testemunhou. Atacou sem piedade José Miguel Wisnik, por não dispor de seu brilho intelectual, de seu talento de compositor. Adulterou a lista dos "Mais Vendidos" de Veja para poder incluir seu próprio livro. Colocou seu blogueiro de confiança para atacar o colunista da própria revista, que poderia ameaçar seu cargo. Publicou carta iracunda de uma leitora (jamais identificada, nem com a ajuda de São Google) contra Roberto Pompeu de Toledo, principal cronista da revista. E julgou ser possível destruir o inalcançável, a imagem e o talento de Chico Buarque.



Ao mesmo tempo, valeu-se do cargo para um exercício de autopromoção, um louve-me-que-te-louvo com outros jornalistas que ainda merecerá ser imortalizado pelo talento de um novo Eça de Queiroz.



Daniel Piza foi seu alvo predileto, porque jornalista, intelectual bem sucedido, melhor candidato que surgiu para atender à demanda da mídia por Paulos Francis - porque escrevendo bem, tendo um belo cabedal de cultura e sem a virulência que marcaria outros candidatos a Francis. Para ocupar o espaço, outros candidatos substituíram o talento inegável (Jabor) pela truculência ou disfarçaram a falta de talento com o exercício diuturno do esgoto jornalístico (Mainardi).



Piza, não. Foi um jornalista que se beneficiou da visibilidade natural, proporcionada por uma coluna em jornal de grande circulação, mas sempre se manteve digno, sem extrapolar do cargo para barganhas de elogios. E sem jamais deixar de ler, de estudar, de se aprimorar. Por isso, foi alvo de ataques impiedosos de Sabino quando lançou seu livro sobre Machado de Assis,



Criados nesses anos de exacerbado narcisismo, todos os genéricos de intelectuais já foram devidamente reavaliados e reconduzidos de volta aos bastidores - alguns mantendo o cargo interno, como Kamel, os demais nem isso. Hoje em dia é ridículo só de pensar que a revista Época elegeu um livro de Ali Kamel como um dos dez mais importantes da década. Ou que Diogo Mainardi foi saudado por Sabino como "o oráculo do Leblon". Ou que Sabino mereceu campanha de outdoors em ônibus, devido a uma barganha com a Editora Record, valendo-se do espaço proporcionado por Veja.



Com esse modelo torto de criar reputações culturais, conseguiram até inibir talentos genuínos - como o de Otávio Frias Filho, escritor - que tentaram cooptar para seu clube de auto-ajuda.



Morto, Daniel Piza ficará; os genéricos já passaram. Ou melhor, ainda serão imortalizados, não como autores, mas como personagens da mais extravagante demonstração de narcisismo e mediocridade que assolou a cultura brasileira em muitas décadas.



Nenhum comentário:

Postar um comentário