domingo, 15 de janeiro de 2012

por Míriam Leitão - 14.1.2012

9h00m

Coluna no GLOBO

Noves fora

A revisão da nota da França não só era esperada como inevitável. A Standard & Poor’s já tinha avisado que o rating estava sob revisão, o mercado já estava cobrando juros de país com nível abaixo de AAA. Mesmo assim, o evento complica muito a situação da Europa, torna mais difícil a equação financeira para resolver a crise e encerra a série de bons leilões de dívida europeia dos últimos dias.



Itália e Espanha conseguiram rolar esta semana suas dívidas em níveis mais baixos que em leilões anteriores. Essa onda boa se encerra a partir do momento em que a maior agência rebaixa a França; a Áustria, outro país AAA; e encrencados como Espanha e Itália. O título português foi rebaixado a lixo, e outros quatro países também sofreram corte. Os italianos desceram dois níveis, mesmo assim estão um degrau acima do Brasil, que tem dívida e déficit menores.



A França tem uma dívida de 86% do PIB, e um déficit de 5,8% do PIB, o que significa que o total da dívida vai continuar crescendo. Não fazia sentido classificar o país como triplo A. A manutenção francesa no nível que significa risco zero só se justificava por motivos políticos.



A situação econômica da Europa tem várias incertezas este ano: os países precisam fechar o pacto fiscal até o fim do março; os bancos precisam cumprir novas exigências de capital; a Grécia permanece uma ferida aberta e ontem a negociação com os bancos chegou a um impasse. Nessa lista de fatos negativos já constava a possibilidade, confirmada ontem, de rebaixamento da França. Ocorre ao fim de uma semana em que houve melhoria leve da confiança nos países e na solução que está sendo costurada por Alemanha e França. Haverá consequência direta sobre o Fundo de Estabilização Financeira, criado para socorrer países como a Grécia, Irlanda e Portugal. Ele precisa ser financiado por países de risco AAA. Agora, há dois a menos:



— O Fundo Europeu não tem dinheiro vivo, mas sim o compromisso dos países de financiá-lo caso algum governo precise. Com o rebaixamento de França e Áustria, o conjunto de fiadores AAA para o Fundo fica menor. Isso tem um efeito ruim sobre a percepção de risco da Europa e deve tornar mais cara a rolagem das dívidas dos países problemáticos — disse a economista Monica de Bolle, da Galanto Consultoria.



O momento político também é delicado. A França está a 100 dias das eleições e o presidente Nicolas Sarkozy fica mais frágil como líder do processo de solução da crise. Uma troca de comando no país poderá significar um recuo de várias casas no caminho da unificação fiscal da Europa. A decisão da S&P também torna mais desigual a Zona do Euro. A diferença entre os juros pagos pelo governo francês, em relação ao governo alemão, atingiu ontem recorde de 130 pontos, para títulos de 10 anos. Têm a mesma moeda, pilotam o mesmo avião, mas cada governo paga taxa de juros diferentes.



O dia ontem ganhou contornos mais dramáticos com o anúncio de que não avançaram as negociações sobre o calote “ordenado” da Grécia. O país negocia com credores uma redução de 50% de sua dívida. Monica de Bolle explica que há três caminhos para se chegar a esse percentual: alongamento da dívida; redução de juros; corte do valor de face dos títulos:



— Os credores preferem alongar o prazo porque assim não precisam contabilizar perdas nos balanços. Mas o corte da dívida grega é muito grande, e será preciso mexer nos juros e no valor de face. Isso torna a negociação muito mais difícil — explicou.



As decisões das agências, apesar das críticas merecidas que têm recebido, continuam tendo influência no mercado, principalmente das duas maiores: Standard & Poor’s e Moody’s. Com base nessas notas os investidores e instituições tomam decisões sobre quanto comprar de dívidas desses países. Após o rebaixamento, começa a sucessão de revisão das notas das empresas e bancos dos países atingidos. Isso realimenta o pessimismo, que acaba, neste mundo globalizado, afetando todos os outros mercados. Ontem, o dólar subiu no Brasil e o Ibovespa caiu em função dessa notícia que não tem nada a ver conosco.



A mudança da nota da França não tem a mesma dramaticidade que o rebaixamento dos EUA, porque o título do Tesouro americano foi considerado risco zero por 70 anos, e são os papéis de referência do mercado. Mesmo assim, ajuda a lembrar que a Europa é uma crise em evolução. Ainda não se sabe a solução do problema e esse é um ano que os dois principais líderes, Angela Merkel e Nicolas Sarkozy, avisaram que seria difícil. E políticos não costumam dar más notícias nas viradas de ano. Há outros temores na linha do horizonte como o de que alguns bancos europeus tenham dificuldade de captação no momento em que as autoridades bancárias exigem elevação do nível de capital das instituições. Se houver quebra de algum banco, os governos terão menos capacidade de socorrê-lo. A situação deve continuar instável no primeiro semestre deste ano. Com sorte, a conjuntura europeia melhora no segundo semestre.

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