Enviado por Míriam Leitão - 15.1.2012
9h00m
Coluna no GLOBO
Os sem direitos
Ao contrário da tendência geral de só olhar os problemas nas horas de crise, o mais eficiente é avaliar a distorção que permanece quando tudo parece bem. O Brasil está com a mais baixa taxa de desemprego em muitos anos, e o índice caiu mesmo no ano passado, em que o ritmo de crescimento econômico diminuiu. Os empresários continuam reclamando da dificuldade de contratação em determinadas áreas.
Num sinal de que tudo parece resolvido, o governo se dispõe a baixar uma lei regulando o uso do celular funcional e do e-mail, no fim de semana, no pagamento das horas extras. Ninguém desconhece o risco de que os meios digitais acabem ampliando a hora de trabalho e perturbando o necessário descanso do trabalhador, mas isso deveria ficar a cargo do bom senso e das negociações entre empresas e empregados.
Não é por falta de leis trabalhistas — talvez seja por excesso — que o Brasil permanece com os problemas de sempre. Quarenta por cento dos trabalhadores estão no mercado informal, sem a cobertura das garantias essenciais de férias, décimo terceiro, FGTS, seguro-desemprego, previdência. Como isso pode acontecer no momento em que o país tem um cenário tão positivo em termos de demanda de mão de obra? Isso deveria concentrar a atenção das autoridades e o melhor momento para fazê-lo é quando não há crise no mercado.
Entra e sai governo, o problema da enorme fatia dos trabalhadores brasileiros fora do mercado formal continua como uma cicatriz nas estatísticas de trabalho. O Ministério do Trabalho na gestão do antigo ministro — que caiu sob o peso das denúncias de irregularidades — se preocupava apenas em trombetear todos os meses o número do Caged, de criação de empregos pelas empresas formais, mas não parecia ver o percentual exorbitante de trabalhadores fora desse mercado.
Esse problema, evidentemente, não é apenas decorrente da última administração do Ministério. É uma velhíssima distorção na economia brasileira. Em épocas de crise, culpam-se as crises. Em momentos de prosperidade econômica, o problema fica invisível. Fora do mercado formal, esses trabalhadores estão desprotegidos, as desigualdades se eternizam, o governo deixa de arrecadar recursos que ajudariam no equilíbrio de suas contas previdenciárias e contratam-se dilemas futuros. Esta é uma boa hora de se pensar em atacar esse problema com todas as armas. A fiscalização é necessária, mas não suficiente. O país precisa conhecer as causas mais profundas dessa separação dos com e sem carteira, que tem se mantido em momentos de escassez e de abundância no mercado de trabalho.
Outro problema estrutural é o do nível de escolaridade. Os avanços na educação nas últimas décadas foram insuficientes e lentos. Na comparação com o mundo, e até com os países vizinhos, perdemos em anos de estudo da população economicamente ativa. É insensato não enfrentar esse problema com senso de urgência, porque essa é a era do trabalho qualificado, seja em que área for. Envelheceram as velhas divisões que opunham o emprego que exigia cérebro do que exigia apenas a força bruta. Hoje, como se sabe, a busca do conhecimento constante em todas as áreas profissionais é o que aumenta a produtividade da economia como um todo. O acompanhamento das novas tecnologias, o estudo de manuais, a dispersão da cadeia produtiva em diferentes países, tudo exige, por exemplo, a destreza em outros idiomas. O atraso na educação brasileira é um dos mais importantes gargalos ao aumento da competitividade da economia.
As desigualdades salariais, de oportunidades, de ascensão na carreira separam os grupos por gênero, cor da pele e idade. Esse tem sido um tema recorrente neste espaço. As estatísticas de emprego e renda mostram todo mês que continuam presentes as travas artificiais impostas pela discriminação a alguns grupos sociais. É preocupante o alto desemprego de jovens de 18 a 24 anos. Em 2011, as pesquisas mostraram que entre 13% e 14% dos jovens que procuraram emprego não conseguiram vaga. O número caiu um pouco mas continua alto demais para um país que está num bom momento.
O que inquieta no mercado de trabalho brasileiro é que as autoridades de qualquer nível, as lideranças empresariais que gerem recursos do Sistema S, o BNDES, que é em parte financiado pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador, os líderes das centrais sindicais não parecem preocupados com quem está fora das garantias trabalhistas. A preocupação é sempre a de aumentar os direitos para quem já está dentro do mercado formal; e nunca em avaliar os defeitos de um sistema, que em qualquer conjuntura, mantém fora do mercado formal, expostos aos riscos e ao desalento, 50 milhões de brasileiros.
O último relatório da Organização Internacional do Trabalho trouxe boas notícias para o Brasil e a América Latina. Aqui, o desemprego está estável, enquanto sobe e ameaça outros países e regiões. Quando o país cresce, os empresários reclamam do “apagão de mão de obra”. Quando tudo está bem, é hora de olhar os problemas que têm permanecido conosco, faça chuva ou faça sol.
Receba este blog Permalink Envie Compartilhe Comente Ler comentários
9h00m
Coluna no GLOBO
Os sem direitos
Ao contrário da tendência geral de só olhar os problemas nas horas de crise, o mais eficiente é avaliar a distorção que permanece quando tudo parece bem. O Brasil está com a mais baixa taxa de desemprego em muitos anos, e o índice caiu mesmo no ano passado, em que o ritmo de crescimento econômico diminuiu. Os empresários continuam reclamando da dificuldade de contratação em determinadas áreas.
Num sinal de que tudo parece resolvido, o governo se dispõe a baixar uma lei regulando o uso do celular funcional e do e-mail, no fim de semana, no pagamento das horas extras. Ninguém desconhece o risco de que os meios digitais acabem ampliando a hora de trabalho e perturbando o necessário descanso do trabalhador, mas isso deveria ficar a cargo do bom senso e das negociações entre empresas e empregados.
Não é por falta de leis trabalhistas — talvez seja por excesso — que o Brasil permanece com os problemas de sempre. Quarenta por cento dos trabalhadores estão no mercado informal, sem a cobertura das garantias essenciais de férias, décimo terceiro, FGTS, seguro-desemprego, previdência. Como isso pode acontecer no momento em que o país tem um cenário tão positivo em termos de demanda de mão de obra? Isso deveria concentrar a atenção das autoridades e o melhor momento para fazê-lo é quando não há crise no mercado.
Entra e sai governo, o problema da enorme fatia dos trabalhadores brasileiros fora do mercado formal continua como uma cicatriz nas estatísticas de trabalho. O Ministério do Trabalho na gestão do antigo ministro — que caiu sob o peso das denúncias de irregularidades — se preocupava apenas em trombetear todos os meses o número do Caged, de criação de empregos pelas empresas formais, mas não parecia ver o percentual exorbitante de trabalhadores fora desse mercado.
Esse problema, evidentemente, não é apenas decorrente da última administração do Ministério. É uma velhíssima distorção na economia brasileira. Em épocas de crise, culpam-se as crises. Em momentos de prosperidade econômica, o problema fica invisível. Fora do mercado formal, esses trabalhadores estão desprotegidos, as desigualdades se eternizam, o governo deixa de arrecadar recursos que ajudariam no equilíbrio de suas contas previdenciárias e contratam-se dilemas futuros. Esta é uma boa hora de se pensar em atacar esse problema com todas as armas. A fiscalização é necessária, mas não suficiente. O país precisa conhecer as causas mais profundas dessa separação dos com e sem carteira, que tem se mantido em momentos de escassez e de abundância no mercado de trabalho.
Outro problema estrutural é o do nível de escolaridade. Os avanços na educação nas últimas décadas foram insuficientes e lentos. Na comparação com o mundo, e até com os países vizinhos, perdemos em anos de estudo da população economicamente ativa. É insensato não enfrentar esse problema com senso de urgência, porque essa é a era do trabalho qualificado, seja em que área for. Envelheceram as velhas divisões que opunham o emprego que exigia cérebro do que exigia apenas a força bruta. Hoje, como se sabe, a busca do conhecimento constante em todas as áreas profissionais é o que aumenta a produtividade da economia como um todo. O acompanhamento das novas tecnologias, o estudo de manuais, a dispersão da cadeia produtiva em diferentes países, tudo exige, por exemplo, a destreza em outros idiomas. O atraso na educação brasileira é um dos mais importantes gargalos ao aumento da competitividade da economia.
As desigualdades salariais, de oportunidades, de ascensão na carreira separam os grupos por gênero, cor da pele e idade. Esse tem sido um tema recorrente neste espaço. As estatísticas de emprego e renda mostram todo mês que continuam presentes as travas artificiais impostas pela discriminação a alguns grupos sociais. É preocupante o alto desemprego de jovens de 18 a 24 anos. Em 2011, as pesquisas mostraram que entre 13% e 14% dos jovens que procuraram emprego não conseguiram vaga. O número caiu um pouco mas continua alto demais para um país que está num bom momento.
O que inquieta no mercado de trabalho brasileiro é que as autoridades de qualquer nível, as lideranças empresariais que gerem recursos do Sistema S, o BNDES, que é em parte financiado pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador, os líderes das centrais sindicais não parecem preocupados com quem está fora das garantias trabalhistas. A preocupação é sempre a de aumentar os direitos para quem já está dentro do mercado formal; e nunca em avaliar os defeitos de um sistema, que em qualquer conjuntura, mantém fora do mercado formal, expostos aos riscos e ao desalento, 50 milhões de brasileiros.
O último relatório da Organização Internacional do Trabalho trouxe boas notícias para o Brasil e a América Latina. Aqui, o desemprego está estável, enquanto sobe e ameaça outros países e regiões. Quando o país cresce, os empresários reclamam do “apagão de mão de obra”. Quando tudo está bem, é hora de olhar os problemas que têm permanecido conosco, faça chuva ou faça sol.
Receba este blog Permalink Envie Compartilhe Comente Ler comentários
Nenhum comentário:
Postar um comentário