Alex Polari e o Santo Daime
Enviado por luisnassif, sex, 04/05/2012 - 15:56
Por
felipeguerra
Poderia repercutir a excelente entrevista da revistra TRIP com Alex Polari, ex-combatente da guerrilha armada na ditadura e atual dirigente do IDA/CEFLURIS, do Santo Daime?
Da Trip
ALEX POLARI
“O mundo só vai
mudar quando a gente perceber que somos mais do que matéria... somos
luz”
Texto por
Foto: Bruno
Torturra
Desde moleque, Alex Polari quer fazer revolução. Primeiro, como militante político na ditadura. Foi perseguido, torturado e preso por nove anos. Solto, descobriu na ayahuasca uma missão ainda maior: mudar a sociedade, e a si mesmo, através de um despertar espiritual. Um dos líderes da maior comunidade do Santo Daime no mundo, com raízes que se estendem do Acre à Holanda, ele anuncia: “O mundo só vai mudar quando a gente perceber que somos mais do que matéria... Somos luz”
Hoje a Holanda é um país de igrejas vazias. Praticamente 70% da população não se associa a nenhuma religião. Metade desse número se diz ateia. Sem párocos ou paróquias, toda cidade tem de capelas a catedrais disponíveis para locação. Festas, reuniões políticas, feiras, exposições, aulas, peças de teatro tomam hoje o lugar de missas e pregações. Mas não naquela noite, quando um templo com mais de 300 anos de idade nos arredores de Amsterdã foi alugado para servir como uma improvável... igreja.
Do lado de fora, neve densa. Onze graus negativos. Debaixo da
abóbada, cerca de 150 pessoas, a maioria grisalha, arrumadinha, vestindo branco,
espera o convidado de honra. Quando ele chega, um pouco atrasado, dezenas de
holandeses se aproximam. Alguns beijam sua mão, muitos fazem questão de saudá-lo
em português: “Padrinho”. Alex Polari sorri tímido, um tanto acostumado, um
tanto desconfortável no papel de clérigo. Enquanto ele vai tomando seu lugar no
altar, uma senhora fleumática espalha um incenso amazônico pelo recinto. Quase
sem sotaque, puxa o coro: “Defuma, defumador, essa casa de Nosso Senhor...”. Foi
a primeira canção, abrindo mais de cinco horas de cantoria na sessão de Santo
Daime.
Alex Polari serviu o chá, tocou o chocalho e puxou o hinário de
cura no centro da roda de pessoas. Mas não foi à Holanda apenas para conduzir o
trabalho daquela noite. Ele saiu do Céu do Mapiá, comunidade daimista fincada no
Acre, para depor em um tribunal em Amsterdã. Depois de dez anos de uma frágil,
porém estável, legalidade, um promotor resolveu pedir a proibição do Santo Daime
no país. Como representante institucional e internacional da igreja, Polari teve
que explicar, pela enésima vez, por que a bebida não é uma droga, mas um
sacramento. Não é um alucinógeno, mas um enteógeno (termo para substâncias que
“despertam o divino interior”). Que o chá, comprovadamente, não representa risco
à saúde pública, ao contrário, tem poder de cura. E que banir a bebida por conta
de um alcaloide proibido (o DMT, no caso) é infringir um direito tido como
universal nas democracias modernas: a liberdade religiosa.
Muito antes de se tornar um líder espiritual, aliás, Alex Polari
de Alverga já precisou depor muitas vezes. Mas sob condições muito diferentes...
Foi preso, violentamente torturado, durante a ditadura brasileira. Ele integrava
o VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), um dos movimentos de esquerda da luta
armada. Participou de assaltos a bancos e sequestrou o embaixador alemão
Ehrenfried Von Holleben, antes de cair nas mãos do regime militar em 1971. Viu
seu amigo Stuart Angel, filho da estilista Zuzu Angel, ser morto na cadeia na
sua frente. Tinha 20 anos de idade. Foi solto aos 29.
“Foram anos de profunda reflexão”, ele conta, “em que descobri
que não adiantaria lutar por uma transformação social sem uma transformação
pessoal, interna. Quando saí eu buscava um caminho diferente.” Um ano depois, em
1981, o caminho apareceu. Foi com um amigo ao Acre para conhecer um obscuro
grupo religioso que utilizava um chá psicoativo como sacramento. Bebeu, foi
tomado pelos hinos e pelo efeito do chá e teve uma revelação. Viu a história do
universo desdobrar-se em sua mente. Vislumbrou o caminho da evolução à dimensão
espiritual da vida. Quando aterrissou de volta, era outro. “Minha vida mudou
completamente. Tive certeza de que ali era meu lugar.”
Ele foi um dos primeiros a fundar um grupo daimista fora da
floresta. Já em 1982 mantinha uma comunidade em Mauá (RJ) e visitava sempre a
igreja no Acre. Seu padrinho, o mestre Sebastião, foi o fundador do Cefluris
(Centro Eclético da Fluente Luz Universal Raimundo Irineu Serra), até hoje a
maior e mais reconhecida divisão da igreja do Santo Daime. Sebastião batizou sua
igreja com o nome de seu padrinho, o mitológico mestre Irineu, fundador da
doutrina do daime da qual as outras linhagens se originaram. Foi de Irineu a
revelação original que ecoa até hoje, do Acre a Amsterdã. Quando teve contato,
em 1931, com a ayahuasca em um contexto xamânico, viu no poder da bebida a
presença do espírito santo. E fez uma releitura cabocla, sincrética, da história
de Jesus. Nas palavras de Alex Polari, “nossa igreja é um tipo de cristianismo
visionário”.
Alex tornou-se logo peça-chave na difusão e no reconhecimento do
daime como uma religião no Brasil. Estudado, articulado politicamente,
acompanhou todas as comissões oficiais que foram ao Acre investigar o tal chá
que provocava visões e arrebanhava cada vez mais gente fora da floresta.
Aprendeu a doutrina, a conduzir trabalhos, a cozinhar o chá, a falar em nome da
igreja, a defendê-la diante de juízes e a ser um rosto público de uma
malcompreendida religião. Tornou-se, ele também, um padrinho.
Arquivo CEDOC/ CEFLURISArquivo CEDOC/ CEFLURIS
Padrinho Sebastião, mentor de Alex
“Nossa cultura fragmentou, compartimentou demais o conhecimento. Acabamos nos iludindo demais com nossos egos e ficamos no escuro sem uma conexão com o divino, com o sentimento de totalidade”, ele reflete. “É preciso não apenas compreender isso, mas buscar essa reconexão. Porque, no fundo, não vejo uma saída para essa crise planetária fora de uma transformação espiritual.”
Ele diz isso um dia depois da sessão em Amsterdã. Ainda sob o
impacto de uma visão que tive sob a força do daime, ficou difícil duvidar: de
olhos fechados, e contorcido em cólicas, vi um oceano fractal e revolto que
invadia a Terra. Algo me dizia que, enquanto a humanidade destrói o mundo
esperando Jesus, quem vai voltar, no fundo, será Noé, para resgatar o que for
possível. Abri os olhos e vi aqueles senhores e senhoras branquinhos, venerando
um retrato de Irineu, um homem negro, tendo epifanias coletivas com hinos
compostos no fundo da Amazônia, em uma igreja sem padre na Holanda. Havia um
contraste perfeito, uma retomada arcaica no berço do capitalismo em pleno 2012.
Eu me sentia mareado em uma arca da salvação interior. E vendo o capitão Polari
ali no meio, de olhos fechados, balançando seu chocalho, eu entendi: por trás da
barba e da farda branca, o ex-guerrilheiro ainda quer a revolução.
“Não vejo uma saída para a crise planetária fora de uma transformação espiritual”
Na época em que você era militante
político, você já tinha uma busca espiritual?
Acho que não. Só daquele tipo de olhar para um céu estrelado e perguntar de onde vim, para onde vou, etc. Eu vim de uma família católica, mas quando entrei para a luta política isso se perdeu. Começou mais ou menos devagar, em 1966, 67. Mas quando chegou o AI-5, em 1968, foi o grande momento de ruptura. Nessa época eu buscava no exterior a causa das injustiças e da luta por mudanças na sociedade.
Acho que não. Só daquele tipo de olhar para um céu estrelado e perguntar de onde vim, para onde vou, etc. Eu vim de uma família católica, mas quando entrei para a luta política isso se perdeu. Começou mais ou menos devagar, em 1966, 67. Mas quando chegou o AI-5, em 1968, foi o grande momento de ruptura. Nessa época eu buscava no exterior a causa das injustiças e da luta por mudanças na sociedade.
Como foi esse
período?
Minha geração viveu um momento muito profundo e muito duro da história. Éramos jovens, idealistas e libertários. Era o sonho revolucionário do mito de Che Guevara, maio de 68, primavera de Praga. E também do sonho hippie, do LSD, da liberdade sexual, Marcuse, Reich, tudo isso. Eu escolhi o caminho da militância e entrei de cabeça na luta armada, até o começo de 1971, quando fui preso. Vi companheiros desaparecer no cárcere... mas não queria estender muito nisso. Porque hoje é uma coisa que vejo mais como uma experiência, não acho que é mais o cerne da questão.
Minha geração viveu um momento muito profundo e muito duro da história. Éramos jovens, idealistas e libertários. Era o sonho revolucionário do mito de Che Guevara, maio de 68, primavera de Praga. E também do sonho hippie, do LSD, da liberdade sexual, Marcuse, Reich, tudo isso. Eu escolhi o caminho da militância e entrei de cabeça na luta armada, até o começo de 1971, quando fui preso. Vi companheiros desaparecer no cárcere... mas não queria estender muito nisso. Porque hoje é uma coisa que vejo mais como uma experiência, não acho que é mais o cerne da questão.
Mas você não vê uma ponte entre sua
luta política, a cadeia e seu caminho espiritual? Sim, pois
foi um processo de reflexão profunda. Primeiro pelo lado de toda aquela opressão
social que de repente foi exercida diretamente sobre mim. Passei dos 20 aos 29
anos preso. Fui torturado. Vi um amigo ser assassinado na minha frente. Depois
um processo para entender a inviabilidade das nossas teses, rever os velhos
mitos da esquerda. Mas havia naquela luta política um prenúncio de um caminho
espiritual, pois houve uma entrega, um sacrifício verdadeiro de se oferecer em
nome de uma causa. E me trouxe o entendimento de que não dava para lutar
simplesmente pelas questões políticas, mas que havia a necessidade de uma
transformação interior. Tanto que quando saí da prisão não me reinseri na
sociedade, de onde havia parado.
Nunca mais buscou um caminho de
ativismo político?
Tive uma ou outra reunião, fui em uns encontros na época da fundação do PT. Mas preferi ir para outro lado. Eu já havia conhecido, durante as visitas de amigos nos últimos dois anos na cadeia, a Sônia, minha esposa até hoje. Quando saí, jé éramos casados e tínhamos um filho pequeno, o Thiago. Nessa busca por uma vida diferente no campo, mais alternativa, mudamos para Mauá.
Tive uma ou outra reunião, fui em uns encontros na época da fundação do PT. Mas preferi ir para outro lado. Eu já havia conhecido, durante as visitas de amigos nos últimos dois anos na cadeia, a Sônia, minha esposa até hoje. Quando saí, jé éramos casados e tínhamos um filho pequeno, o Thiago. Nessa busca por uma vida diferente no campo, mais alternativa, mudamos para Mauá.
Quando conheceu o
Daime? Logo no ano seguinte, em 1981, uma coisa fortuita
mesmo, quando um amigo trouxe um pouco da Amazônia. Tomei em Mauá, fora da
igreja, na natureza. Foi uma coisa forte, parecida com ácido e com outras
experiências que já havia tido. Depois um amigo me falou de uma comunidade
liderada por um velho patriarca de barbas que tomava ayahuasca. No ano seguinte
fui ao Acre para ter contato com o povo de lá. Foi quando senti a força
mesmo.
“Foi como se eu tivesse visto todo o filme da história da humanidade, da vida, dos minerais, do big bang... estava pasmo”
E como foi essa
experiência? Tomei a bebida. Sentia aquela corrente de
pessoas, a música, o canto, a vibração dos maracás... Foi quando eu sentei em
uma cadeira de balanço. Aí abriu uma admiração muito forte. Senti que estava em
outro lugar, como os índios dizem, “o salão dourado”. De repente aquela cadeira
era como uma cabine de uma nave espacial. E foi como se eu tivesse entrado em um
buraco negro e visto todo o filme da história da humanidade, da vida, dos
animais, dos minerais, do big bang... Estava pasmo e, ao mesmo tempo, sentindo
uma bem-aventurança, uma grandeza muito forte.
O que mudou
internamente? Em um certo sentido aquela visão me
transformou. Voltei um outro homem. Um ex-guerrilheiro que toma um chá e canta
hinos em louvor a Jesus, Maria e José... acharam que eu tinha pirado. Mas
descobri que na espiritualidade não há limite pra nada. Tudo isso ajuda a dar
uma quebrada no ego, dá humildade e faz você entender que tudo é possível de
alguma maneira. Passei a me considerar um cristão universalista e tenho muita
gratidão por como isso me foi passado espiritualmente, como isso me trouxe aonde
estou hoje. A mensagem do Jesus histórico, independente da construção teológica,
eu vejo como algo profundo no sentido de acessar nossa consciência superior.
Quando ele sugere que o reino dos céus está dentro das pessoas mesmo. O sentido
maior do ensinamento dele era esse chamado urgente, muito semelhante à urgência
dos tempos de hoje.
Com Sebastião, seu mentor
Eu percebi que eu era dali. Que não iria mais arredar o pé. Ali conheci o padrinho Sebastião e comecei a me envolver, voltar mais para a Amazônia, levar daime para Mauá. E fizemos uma comunidade por lá. Começou a chegar muita gente... construímos escola, uma estrutura de agricultura orgânica, e fundamos uma igreja do Santo Daime, uma das primeiras fora da Amazônia. Foi algo muito bonito.
Você estava presente no momento em
que o Daime chegou à mídia e ao conhecimento do poder público. Como foi essa
“recepção”?
Houve diferentes momentos. O primeiro foi em 1985, nosso sacramento foi proibido sob o pretexto que era droga, continha DMT, etc. Neste mesmo ano foi criado um grupo de estudo e tivemos a sorte de ter gente muito correta, inteligente e aberta nessa comissão, e a bebida foi liberada em 86. Tivemos ainda novos questionamentos ao longo dos anos. Só em 2006 o governo e cientistas estabeleceram a regulamentação definitiva do uso religioso do nosso sacramento. Hoje, as igrejas do exterior estão nessa luta, como aqui na Holanda.
Houve diferentes momentos. O primeiro foi em 1985, nosso sacramento foi proibido sob o pretexto que era droga, continha DMT, etc. Neste mesmo ano foi criado um grupo de estudo e tivemos a sorte de ter gente muito correta, inteligente e aberta nessa comissão, e a bebida foi liberada em 86. Tivemos ainda novos questionamentos ao longo dos anos. Só em 2006 o governo e cientistas estabeleceram a regulamentação definitiva do uso religioso do nosso sacramento. Hoje, as igrejas do exterior estão nessa luta, como aqui na Holanda.
Que tipo de argumento usam hoje em
dia contra o daime? O argumento é sempre o risco à saúde
pública. Algo que não faz o menor sentido. Há décadas nós já comprovamos que não
existe risco algum dentro de um contexto religioso. Há um volume enorme de
pesquisas nesse sentido. O que ocorre, na prática, é que tentam limitar o
direito universal da liberdade religiosa por falta de informação. Não reconhecem
uma tradição milenar de uso dessa substância para fins espirituais.
Mas o medo das instituições, muito
mais do que a questão religiosa ou química, não é o da alteração da
consciência?
Sem dúvida... Na nossa sociedade atual isso é uma questão fundamental. Perdemos contato com esse tipo de prática que, em outras culturas, foi parte integrante do saber das grandes civilizações do passado.
Sem dúvida... Na nossa sociedade atual isso é uma questão fundamental. Perdemos contato com esse tipo de prática que, em outras culturas, foi parte integrante do saber das grandes civilizações do passado.
Você não fala somente da
ayahuasca? A ayahuasca está em evidência, mas o uso
religioso de psicoativos faz parte da humanidade. Se você pesquisar, vai
descobrir a importância dos mistérios de Eleusis, por exemplo. Toda a nata do
pensamento grego partilhava experiências de alteração da consciência através de
uma bebida psicoativa. Boa parte da base do saber ocidental deriva disso. Nos
textos sagrados dos vedas é clara a presença do soma, um sacramento que muitos
acreditam ser cogumelos mágicos. Se você buscar, vai encontrar algo em todos os
continentes e tradições. Ritos desse tipo sempre estiveram entre os humanos e
foram, em boa parte, responsáveis pelo que chamamos de religião e cultura. Mas
nossa sociedade atual foi se afastando cada vez mais desse tipo de conhecimento.
Quem sabe esse não foi o fruto proibido, a maçã da Eva?
A que você atribui essa desconexão
da sociedade moderna em relação a esse tipo de
espiritualidade? O Ocidente de um modo geral enveredou muito
pela estrada da revolução industrial, do racionalismo, da ciência. Claro que
isso tudo teve uma importância muito grande para o desenvolvimento humano. Mas
essa noção racionalista criou um mundo extremamente compartimentado,
fragmentado. Essas divisões duras nos afastam da noção de que há uma unidade no
universo. É exatamente nesse ponto que a experiência visionária se torna tão
fundamental. Porque traz à tona, de maneira clara, esse sentimento de
totalidade, de pertencimento, que é tão importante ao ser humano.
Essa desconexão foi o que abriu o
caminho para o culto ao ego que domina nossa cultura
hoje?
Eu acho que o domínio do ego é o coroamento, o reconhecimento da cisão absoluta entre a entidade que chamamos de indivíduo e o sentimento de totalidade, que caracteriza a espiritualidade mais profunda. Isso, para mim, é a causa do vazio existencial. E havia até uma filosofia para dar base a isso. Começaram a acreditar que nosso aprimoramento científico nos levaria, inclusive, a uma evolução moral e espiritual. Mas a primeira grande invenção dessa cultura foi o acúmulo de capital, todas as conquistas imperiais, a aliança entre as empresas coloniais e a igreja sedenta por uma uma nova fronteira de evangelização.
Eu acho que o domínio do ego é o coroamento, o reconhecimento da cisão absoluta entre a entidade que chamamos de indivíduo e o sentimento de totalidade, que caracteriza a espiritualidade mais profunda. Isso, para mim, é a causa do vazio existencial. E havia até uma filosofia para dar base a isso. Começaram a acreditar que nosso aprimoramento científico nos levaria, inclusive, a uma evolução moral e espiritual. Mas a primeira grande invenção dessa cultura foi o acúmulo de capital, todas as conquistas imperiais, a aliança entre as empresas coloniais e a igreja sedenta por uma uma nova fronteira de evangelização.
É como se a ciência tivesse se
colocado como uma força oposta à espiritualidade? Sim, mas é
preciso entender que, quando surgiu esse pensamento, ele tinha um sentido
humanista, de questionar a religiosidade dogmática, obscurantista. Acontece que
na história recente essa tendência se intensificou. O reducionismo científico e
o fundamentalismo religioso são duas partes de uma mesma moeda que limita e
coloca a nossa realidade numa camisa de força. Nesses últimos três séculos essa
foi a tônica. E não precisa mais ser assim. Eu vejo que, hoje em dia, há um
caminho inverso. De certos ramos da ciência que buscam uma reaproximação com o
espírito a partir das descobertas recentes. A mecânica quântica, por exemplo, dá
novos insights espirituais sobre a realidade mais profunda do universo. E
coincide muito com o tipo de conhecimento que sempre esteve disponível às
culturas ancestrais que mantinham contato com esse tipo de experiência com as
plantas de poder. Quando você vê de perto, essas doutrinas tão antigas estavam
falando coisas tão modernas... São ideias arcaicas que trazem respostas
atuais.
Uma resposta para o que,
exatamente? Para esse dilema enorme da nossa cultura, da
nossa espiritualidade... Essa necessidade de estar sintonizado com o planeta e
achar soluções. Temos um sistema cuja lógica é não ter lógica, nem levar em
conta os anseios da humanidade que ele deveria servir. Os recursos se esgotam, e
a infelicidade aumenta. Fazemos maravilhas tecnológicas, mas tudo indica que se
algo não mudar em nossa consciência, o barco pode afundar. Então a resposta que
essas experiências oferecem é um caminho para aprofundar a consciência, pois
parece que este estado ordinário da mente não está sendo suficiente. E essa
experiência direta com o divino oferece não só mais clareza sobre a realidade,
mas também um chamado, um aviso para o estado das coisas.
“O domínio do ego é o coroamento da cisão entre o indivíduo e a espiritualidade mais profunda”
Pensando então nesse aviso, no
“estado das coisas”, você acha que superar a mentalidade cartesiana,
materialista, está se tornando não só uma questão espiritual, mas de
sobrevivência da espécie? Hoje se fala muito do colapso, de
uma espécie de apocalipse, de fim do mundo. Mas, antes de se manifestar
fisicamente com vulcão, tsunami, acho que o apocalipse começa de forma psíquica.
A quantidade de sofrimento, de depressão, de vazio existencial... são sinais de
alguma coisa. Dificilmente nós vamos achar uma solução para a crise planetária
fora de uma revolução espiritual.
Você não enxerga mais uma solução
política, cultural, simplesmente?
Eu acredito que todas as outras formas de ler o mundo faliram no último século. Primeiro no pensamento crítico em relação ao capitalismo, porque não tinha uma perspectiva espiritual. Muita gente, eu inclusive, apostou todas as fichas na perspectiva de que a luta de classes fosse o motor da história. Que a classe proletária surgida como um rebento desse processo de acumulação de capital tivesse disposição de encarnar o processo de evolução social. Essas esperanças não se tornaram tão generosas e acabaram criando problemas e injustiças muito semelhantes aos que queríamos abolir. Depois dessa esperança de luta social, acho que teve um outro investimento. Como se a gente tivesse passado da luta de classes para uma fé na psicanálise, na libertação da libido e da sexualidade. Como se isso, enfim, fosse a resposta.
Eu acredito que todas as outras formas de ler o mundo faliram no último século. Primeiro no pensamento crítico em relação ao capitalismo, porque não tinha uma perspectiva espiritual. Muita gente, eu inclusive, apostou todas as fichas na perspectiva de que a luta de classes fosse o motor da história. Que a classe proletária surgida como um rebento desse processo de acumulação de capital tivesse disposição de encarnar o processo de evolução social. Essas esperanças não se tornaram tão generosas e acabaram criando problemas e injustiças muito semelhantes aos que queríamos abolir. Depois dessa esperança de luta social, acho que teve um outro investimento. Como se a gente tivesse passado da luta de classes para uma fé na psicanálise, na libertação da libido e da sexualidade. Como se isso, enfim, fosse a resposta.
Arquivo Pessoal
Alex assinando seu alvará de soltura em 1980
É, a revolução da psicanálise e a compreensão do papel dos instintos poderiam servir como uma nova utopia, um novo mito para definir o ser humano e as grandes forças orientadoras da psique. Eu acho que isso já é, de alguma forma, um prenúncio do que acredito ser a questão fundamental: a consciência. Mas mesmo dentro dessa visão, nossas neuroses, psicoses, sociopatias aumentaram... Claro que conquistas inegáveis vieram disso. Tanto da luta socialista quanto da libertação sexual. Mas também não nos mostrou a chave do enigma, da transformação mais profunda do sistema. Não gerou um ser humano novo ou um caminho que parecesse realmente promissor.
Mas esse ser humano novo não é um
processo em construção?
Sim, mas para seguir evoluindo é preciso dar um novo passo.
Sim, mas para seguir evoluindo é preciso dar um novo passo.
E que passo é
esse? Achar um caminho pra reunificar ética, espiritualidade
e política. Como gestar isso dentro de um sistema apresentando pane? Como gerar
uma coisa viável que não possa ser cooptada pelo capitalismo? Me preocupa que o
destino do planeta possa estar na mão de tanta gente que não tem a mínima
estatura espiritual para enfrentar as suas responsabilidades históricas. O
Obama, se você observar, tem um brilhozinho, mas é um executivo desse sistema
todo. Ele é uma metáfora de tudo que a gente tá falando. Da impossibilidade de
resolver a coisa dentro dessa mentalidade materialista.
“A consciência é a base onde todo o universo se constrói. E não precisa tomar daime para descobrir isso”
É como se o capitalismo não fosse
um sistema, mas uma mentalidade, a impressão de que a lógica do lucro e do
acúmulo são leis naturais?
Exato. Isso acontece porque tudo está organizado através de trocas comerciais, de mão de obra, em uma engrenagem que não pergunta nada sobre quais são as necessidades humanas ou naturais. E isso virou a base de nossa sobrevivência cotidiana, mas está nos condenando coletivamente. Eu acho que essa insanidade é sensibilizatória, e que ninguém mais consegue acreditar que o mundo possa dar certo, que estejamos caminhando em uma direção construtiva. E a gente fica num ponto bastante preocupante, pois até a ciência de ponta está começando a soar como profecias apocalípticas.
Exato. Isso acontece porque tudo está organizado através de trocas comerciais, de mão de obra, em uma engrenagem que não pergunta nada sobre quais são as necessidades humanas ou naturais. E isso virou a base de nossa sobrevivência cotidiana, mas está nos condenando coletivamente. Eu acho que essa insanidade é sensibilizatória, e que ninguém mais consegue acreditar que o mundo possa dar certo, que estejamos caminhando em uma direção construtiva. E a gente fica num ponto bastante preocupante, pois até a ciência de ponta está começando a soar como profecias apocalípticas.
Mas você acredita que estamos perto
de um colapso físico? Eu também fico nessa dúvida e tem dias que
fico mais apocalíptico, outros menos. Realmente não sei quanto tempo a gente tem
antes de achar uma solução viável para sustentar nossa espécie neste planeta.
Todos que estão pensando na questão ambiental, ou procurando um novo paradigma
econômico, uma nova práxis social, uma nova ética... se encontram, na minha
opinião, em uma nova visão espiritual da realidade.
Que visão é
essa? Isso é complicado de responder, porque o caminho
espiritual é, quase que por definição, algo pessoal. Mas precisamos ter o
reconhecimento de que o que chamamos de realidade é uma construção da
consciência pensante. E não se iludir e não ter apego a esse falso eu. E
aprender a operá-lo muito bem dentro dessa vida, mas preparando seu espaço
próprio de pesquisa e investigação para se preparar para a morte. Isso não
depende necessariamente de uma religião, mas precisa implicar em uma ética nova,
uma nova prática social verdadeiramente altruísta. Mas se dar conta disso,
experimentar de fato essa realidade mais profunda, pode ser o trabalho de uma
vida toda.
Por que dá tanto trabalho perceber
que isso aqui é mais do que mera matéria?
A abordagem da investigação materialista oferece certa lógica. A matéria parece tão organizada, tão lógica, previsível, que existe uma naturalidade em assumir que todo o resto, que não pode ser visto, medido, seja um subproduto. Ou que, simplesmente, não existe. Daí vem a ideia de que a consciência e a vida surgem a partir da matéria, como se fosse uma geração espontânea. Isso é uma concepção que tomou conta do mundo, mas corresponde apenas a um estágio do pensamento e da cultura.
A abordagem da investigação materialista oferece certa lógica. A matéria parece tão organizada, tão lógica, previsível, que existe uma naturalidade em assumir que todo o resto, que não pode ser visto, medido, seja um subproduto. Ou que, simplesmente, não existe. Daí vem a ideia de que a consciência e a vida surgem a partir da matéria, como se fosse uma geração espontânea. Isso é uma concepção que tomou conta do mundo, mas corresponde apenas a um estágio do pensamento e da cultura.
Uma ideia especialmente sedutora
para essa era do ego, não?
Dá uma importância enorme ao indivíduo, que se torna um evento raro, insubstituível no universo. Exatamente. É a desculpa de que o homem precisa para se declarar o píncaro da evolução. Mas isso não resiste a uma investigação honesta de quem está à procura de entender a essência da sua existência. Quem aprende a aquietar a mente, a afastar os pensamentos ordinários, consegue sentir uma realidade mais profunda e que existe de fato. Está lá. E entende que todo o resto é uma ficção construída em pensamentos, e se torna uma realidade sofisticada, palpável. Mas que não tem base. Pois a vida é uma coisa muito mais sutil. Na verdade, a própria matéria parece emergir da consciência. Ela está em tudo, é a base em que todo o universo se constrói. E não precisa nem tomar daime para descobrir isso. Culturas milenares, no mundo todo, já haviam percebido isso de muitas formas.
Dá uma importância enorme ao indivíduo, que se torna um evento raro, insubstituível no universo. Exatamente. É a desculpa de que o homem precisa para se declarar o píncaro da evolução. Mas isso não resiste a uma investigação honesta de quem está à procura de entender a essência da sua existência. Quem aprende a aquietar a mente, a afastar os pensamentos ordinários, consegue sentir uma realidade mais profunda e que existe de fato. Está lá. E entende que todo o resto é uma ficção construída em pensamentos, e se torna uma realidade sofisticada, palpável. Mas que não tem base. Pois a vida é uma coisa muito mais sutil. Na verdade, a própria matéria parece emergir da consciência. Ela está em tudo, é a base em que todo o universo se constrói. E não precisa nem tomar daime para descobrir isso. Culturas milenares, no mundo todo, já haviam percebido isso de muitas formas.
Mas isso se dá quase sempre dentro
de um nível pessoal. Como isso se torna um sistema social de
fato? O apego no nível pessoal se torna uma espécie de
egoísmo coletivo. Todos precisam se defender uns dos outros, competir, acumular.
É o caminho oposto para tornar nossa sociedade viável. A descoberta da
consciência como o novo motor da história é o fato mais relevante do nosso
tempo. Eu vejo a consciência como base que permeia tudo. Dela emana tudo,
inclusive nossa existência. Se nossa mente reinvindica uma existiencia
independente, é porque ignora esse fato. Nos identificamos tanto com nosso
corpo, pensamentos, que achamos que somos algo separado do todo. Certamente
precisamos manter uma identidade própria, mas quando nos aferramos demais a ela
e a nossos desejos, isso traz grandes problemas. Essa é a fronteira: uma luta
interior que possa trazer uma verdadeira transformação das sociedades. Quando a
gente se ilumina por dentro, nosso olhar para fora se torna mais compassivo e
altruísta.
De algum modo é como se
estivéssemos, de fato, esperando a segunda vinda de Cristo para nos
salvar? Acredito que o que muita gente está esperando já
chegou. A segunda vinda, para mim, é essa revelação interna, o retorno do Cristo
de cada um, essa espiritualidade enteógena, a experiência de sentir a divindade,
a centelha sagrada que habita dentro da gente. E isso talvez seja a luz que
precisamos para enfrentar o que vier por aí.
O daime tem esse
poder? Isso é o centro da nossa história, uma experiência
espiritual direta. Tem momentos de revelação que às vezes um iogue trabalha a
vida inteira, ou várias encarnações, para alcançar. Mas o mais difícil é o
compromisso, como você precisa destilar toda aquela experiência espiritual,
decupar as metáforas para trazer aquilo pra vida prática, mostrar na sua vida
que aquilo tem uma validade, provar isso na sua família, amigos... isso é a
espiritualidade. Os mestres fundadores dessa religião, sem nenhuma sofisticação
intelectual, sem saber o que era sinapse, física quântica, serotonina,
perceberam uma coisa valiosíssima. Que, uma vez em contato com essa realidade
transcendental, podemos trazer para a vida prática de uma pessoa. Pode ser um
intelectual da Europa ou um caboclo no meio da mata amazônica. Uma mesma
linguagem, uma mesma mensagem simples, e que pode significar uma maneira melhor
de viver a sua vida, em sociedade, em família, com a natureza.
Vocês buscam novos
adeptos? Tem quase que uma norma na frase de um padrinho
nosso: “Convidar é um erro fraternal”. A ayahuasca traz uma experiência muito
profunda, um contato com uma dimensão do ser a que não estamos acostumados ou
até fugimos dela... A pessoa precisa estar voluntariamente em busca disso para
honrar sua experiência.
O daime tem o potencial de se
tornar uma das grandes religiões do mundo?
O Santo Daime nunca será uma religião de massas. Mas isso não impede de que possa dar uma contribuição à humanidade. Considero o daime uma religião genuinamente cristã e universalista. E que oferece uma possibilidade de dentro de qualquer outra tradição. Muita gente se apropria do sacramento porque ele iluminou ainda mais a fé que a pessoa já tinha. Temos muçulmanos, hindus, rabinos que participam de nossas cerimônias.
O Santo Daime nunca será uma religião de massas. Mas isso não impede de que possa dar uma contribuição à humanidade. Considero o daime uma religião genuinamente cristã e universalista. E que oferece uma possibilidade de dentro de qualquer outra tradição. Muita gente se apropria do sacramento porque ele iluminou ainda mais a fé que a pessoa já tinha. Temos muçulmanos, hindus, rabinos que participam de nossas cerimônias.
Como você está vendo essa expansão
rápida da ayahuasca no mundo, do chamado xamanismo urbano, o nascimento de
outras cosmologias a partir de experiências com DMT?
Eu acredito que essa medicina tem algo a dizer para o mundo hoje. Mas são dois processos. Um é o crescimento das tradições religiosas ligadas ao uso da ayahuasca. O outro lado é a experiência psiconáutica de gente curiosa. A busca, de toda forma, é válida. Eu ainda acho que dentro de um contexto religioso é mais seguro para a maioria das pessoas. E é a forma original.
Eu acredito que essa medicina tem algo a dizer para o mundo hoje. Mas são dois processos. Um é o crescimento das tradições religiosas ligadas ao uso da ayahuasca. O outro lado é a experiência psiconáutica de gente curiosa. A busca, de toda forma, é válida. Eu ainda acho que dentro de um contexto religioso é mais seguro para a maioria das pessoas. E é a forma original.
Bruno Torturra
Alex logo após conduzir o trabalho de cura na igreja
holandesa
Sei que existe, da parte de muita gente, uma certa aversão à parte institucional, à ideia de igreja. Entendo e até concordo em parte. A experiência histórica de religiões institucionalizadas não são de todo boas... Mas, principalmente no nosso caso, existe uma necessidade muito grande de manter uma instituição oficial para poder dialogar com o poder oficial e garantir uma legitimidade, e ajudar a garantir que o sacramento siga acessível a todos, mesmo os que não se identificam necessariamente com nosso formato de ritual. Por isso é tão importante valorizar esse interesse recente pelo estudo das vias enteógenas, essa investigação científico espiritual da natureza profunda da consciência. Somos uma espécie muito recente, o neocórtex cerebral tem apenas 500 mil anos. A própria marcha da evolução aponta que a consciência é o campo de batalha. O importante é que se difunda essa experiência de contato direto com Deus. Só vai fazer bem para o mundo.
Mas isso soa um pouco etéreo,
metafísico demais para resolver problemas tão práticos,
não?
Acredito mesmo que, para encontrar uma alternativa prática, temos que abrir a mente e o coração para essas transformações. Até porque todos os outros paradigmas de realidade faliram. Claro que tem gente que está esperando uma nave espacial chegar para salvar todo mundo. Penso que nossa nave já está pousada no meio da floresta. Do meu ponto de vista, a espiritualidade é na prática, dentro da sua vida interior e no trabalho social. É pensar grande e agir pequeno. É o nosso laboratório do futuro. Em um raio de alguns quilômetros, dá mesmo para transformar as coisas.
Acredito mesmo que, para encontrar uma alternativa prática, temos que abrir a mente e o coração para essas transformações. Até porque todos os outros paradigmas de realidade faliram. Claro que tem gente que está esperando uma nave espacial chegar para salvar todo mundo. Penso que nossa nave já está pousada no meio da floresta. Do meu ponto de vista, a espiritualidade é na prática, dentro da sua vida interior e no trabalho social. É pensar grande e agir pequeno. É o nosso laboratório do futuro. Em um raio de alguns quilômetros, dá mesmo para transformar as coisas.
Como é esse
trabalho? Eu mesmo tenho me dedicado também nesses últimos
20 anos à agricultura sustentável. Temos feito um trabalho de ponta lá, até como
forma de buscar essa saída econômica viável, de produzir alimentos e manejar a
floresta de modo a mantê-la de pé. A gente trabalha com agricultura de praia,
como no começo da agricultura, no Eufrates, no Nilo. Quando o rio enche, o
sedimento fertiliza a terra, e nas vazantes você planta todo tipo de cultura nas
margens. E tem uma produtividade quase similar à da agricultura mecanizada
fertilizada, totalmente natural e a baixo custo. Estamos esperando uma política
pública que incentive isso. Conseguimos algumas fundações ligadas a irmãos
nossos, da irmandade internacional. Em 2007 e 2008, com a Fundação Banco do
Brasil, a gente fez um grande projeto pra criar polos de beneficiamento. A outra
parte do projeto é trabalhar com sistemas agroflorestais, replantando a floresta
com muitas espécies comestíveis. Adensando a mata original e inserindo outras
espécies. É a única saída que vejo para a Amazônia.
“Na selva você ganha uma dimensão direta da salvação: é não pisar em cobra, plantar macaxeira, fazer farinha...”
É a tal ponte entre política e
espiritualidade? É curioso, foi dentro do Daime que resgatei
minha herança de animal político em um sentido mais pleno. A experiência da
militância era muito abstrata, sem contato com a realidade social concreta. Essa
minha descoberta espiritual também foi a minha descoberta da Amazônia, do povo
brasileiro, ribeirinho, do calor humano, da miséria. Se tornou não só um
laboratório de reflexão espiritual como um trabalho social grande. Não é fácil
sobreviver na contramão do sistema, fazer uma comunidade sustentável no meio da
Amazônia, num lugar de dificílimo acesso. Mas nossa comunidade espiritual, a do
padrinho Sebastião, parece menos um ashram do que um canteiro de obra. Todo
mundo trabalhando sem parar, rezando, tomando daime, fazendo mutirão. Na selva
você ganha uma dimensão muito direta da salvação: tomar cuidado com cobra,
plantar macaxeira, fazer farinha. É como o padrinho Sebastião falava: “Povo de
Deus, acampado em seus lugares, sempre atento”.
Existe uma receita para a
iluminação? O padrinho Sebastião também dizia: “tem que unir
o positivo com o negativo para haver luz”. Isso é uma lei da iluminação, seja
para acender uma lâmpada, quando liga um interruptor, seja para nos iluminar
espiritualmente. Tem que trabalhar sua anima, seu inconsciente, seu lado escuro,
e colocar ele em contato com seu Eu Superior. Daí vem a luz...
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