O perfil de Enrique Mosconi, fundador da YPF
Enviado por luisnassif, sex, 04/05/2012 - 16:10
Por Edson
Joanni
Quem era e o que pensava o fundador da YPF
O nome de Enrique Mosconi esteve entre os mais citados pelos senadores que aprovaram o controle nacional da YPF, o mesmo acontecendo no debate travado na Câmara dos Deputados argentina. Aqui, alguns dados e opiniões do fundador e construtor da YPF que lutou contra os monopólios internacionais de petróleo. "A América Latina, para cumprir a trajetória de seu destino, deverá realizar durante o século XXI a independência econômica de seus povos", disse Mosconi, em discurso no Rio de Janeiro, em 1938.
Martín Granovsky - Página/12
Buenos Aires - O ciclo de golpes de Estado do
século XX começou no dia 6 de setembro de 1930, quando José Félix Uriburu
derrubou Hipólito Yrigoyem. Ficou na história com um mote: “Golpe com cheiro de
petróleo”. E algo deve ter cheirado naquele instante o diretor da Yacimientos
Petrolíferos Fiscales (Jazidas Petrolíferas Fiscais, YPF), engenheiro e general
Enrique Mosconi, porque só quatro dias depois apresentou sua demissão.
Às empresas petrolíferas inglesas e norte-americanas não foi
fácil conseguir que Uriburu, inclusive com um gabinete afim a capitais dessa
origem e da Alemanha, conseguisse desmontar os oito anos de gestão de Mosconi.
Não foram suficientes a prisão e a investigação a que foi submetido o general. A
YPF havia se tornado uma estrutura industrial poderosa. A destruição só seria
possível depois de 60 anos, na primeira presidência de Carlos Menem. E não é que
nos dois anos de Uriburu faltassem tentativas. A Standard Oil, com matriz nos
Estados Unidos, pressionou para conseguir avanços em Salta graças a um governo
permeável aos seus interesses, segundo contam Fernando García Molina e Carlos
Mayo em seu excelente livro “O general Uriburu e o petróleo”.
Sem chances de liquidar a YPF, a estratégia privada apontou em
ganhar espaços paralelos. De 1931 é a instalação da destilaria da Shell no
bairro portenho Dock Sud. Em simultâneo, as outras companhias pressionavam para
anular a reserva a favor da exploração estatal disposta pelo presidente radical
Marcelo Torcuato de Alvear em 1924 para as bacias de Chubut, Santa Cruz,
Neuquém, Tierra del Fuego, La Pampa, Salta, Jujuy e Mendoza.
Diretor do serviço de Aeronáutica do Exército em 1922, Mosconi um
dia se irritou diante da reivindicação da West India Oil Co., filial da Standard
Oil de New Jersey, de cobrar antecipadamente a nafta para os aviões. Em seu
livro “O petróleo argentino” o próprio Mosconi escreveu o relato da
entrevista: “Advirta, disse a ele naquela oportunidade, que o Serviço
Aeronáutico do Exército não deve um centavo à sua companhia; que se trata de uma
repartição militar solvente e dependente do Ministério de Guerra e que,
portanto, não só me surpreendem suas manifestação e exigência, mas que as
considero impertinentes e não as aceito”. Mosconi guardou o que pensou e não
disse: “Ali, na minha escrivaninha, me propus, jurando a mim mesmo, cooperar com
todos os meios legais para romper os trustes. Designado diretor geral da YPF no
dia 19 de outubro de 1922, realizei tal propósito sete anos depois, para bem e
progresso de nossa Pátria e maior vantagem de seus habitantes”.
Quando Alvear o designou à frente da YPF, Mosconi se propôs
estruturar uma empresa forte e depois “tomar a direção de nosso mercado de
consumo, levando os preços a um nível conveniente e equitativo para os
interesses nacionais” para arrastar à baixa “a todas as empresas
importadoras”.
Em 1926, ao fazer seu próprio balanço, Mosconi afirmava que “é
comum a opinião de que o Estado é mal administrador”. Mas “isto só é exato
quando o Governo não traça nem mantém normas de boa administração”. Em 1922 a
indústria petrolífera fiscal produzia uma média diária de 942 metros cúbicos,
contra 2.610 de 1926. Mosconi enviou técnicos para se especializarem nos campos
petrolíferos dos Estados Unidos, México, Venezuela e Europa. Seus estudos
serviram de base para o Boletim de Informações Petrolíferas e para a criação de
cursos complementares de cinco meses para formação na área, ministrados pela
Escola Industrial da Nação. O mesmo espírito animou, em 1928, a fundação do
Instituto de Petróleo na Universidade de Buenos Aires com aprovação do reitor
Ricardo Rojas. Rojas queria formar “técnicos argentinos aptos que nos livrem da
declamação, mais ou menos patriótica”.
Mosconi queria uma lei para nacionalizar as reservas, coisa que
avaliava difícil com a composição do Congresso em 1928. Essa ferramenta seria
“uma muralha infranqueável aos avanços de empresas que, como a Standard Oil Co.
no norte, inicia e consolida seus conhecidos sistemas de penetração e ameaça
perturbar nosso futuro econômico e, consequentemente, nossa situação política”.
O Senado não quis aprovar a iniciativa de Hipólito Yrigoyem, presidente em seu
segundo mandato entre 1928 e 1930, e o golpe de Uriburu terminou de abortar a
iniciativa.
Uma seleção do pensamento de Mosconi, morto no dia quatro de
junho de 1940, é possível tomando quatro livros: La batalla del
petróleo (Ediciones Problemas Nacionales, Buenos Aires, 1957), com prólogo
de Gregorio Selser e os três tomos da recopilação de trabalhos do general e
engenheiro realizada por Raúl Larra e Gregorio Weinberg em 1965 para a Agência
Geral de Publicações: El petróleo argentino, YPF contra la Standard Oil y La
nacionalização del petróleo.
Controle - “O petróleo tem uma importância
fundamental e insubstituível e o crescimento e progresso da Nação será tanto
maior quanto mais firme mantenha esta em suas mãos o controle de suas reservas
petrolíferas, ou seja, quanto mais submetidos à sua fiscalização efetiva estejam
os grandes sindicatos ou trusts que exploram o combustível líquido no país, pois
se essa fiscalização fosse difícil ou impossível de efetuar, mais conveniente
seria para a tranquilidade econômica e política do país renunciar à cooperação
do capital estrangeiro.
Os grandes trustes são organizações insaciáveis, difíceis de
dominar uma vez que tomaram posse das terras e lhes cederam faculdades ou
direitos. Tanto o grupo europeu (o anglo-holandês Royal Dutch) como a Standard
Oil, o poderoso norte-americano de funesta tradição ante a Justiça de seu país,
são indesejáveis para toda a nação que queira fecundar em paz seu trabalho
criador. Geralmente tentam perturbar e exercer influências sobre o trabalho
legislativo ou resistem e violam a aplicação das leis e regulamentos que tem a
seu encargo o poder administrador.”
Estratégias. “A aquisição de reservas e os
direitos de explorá-las e utilizá-las é motivo de acordos e de alianças
políticas. O jornal La Nacióm publicou o seguinte telegrama, do qual se deduzem
sugestivas advertências: ‘Williamstowm, agosto 4 de 1926. Na reunião celebrada
hoje pelo Instituto de Ciências Políticas, o petróleo foi designado como a
encarnação moderna do antigo deus da guerra, Marte. Cinco oradores – três
norte-americanos, um francês e um italiano – estiveram de acordo em afirmar que
o petróleo é, hoje em dia, o fator mais poderoso da paz ou da guerra’. A própria
Standard Oil pediu a intervenção do Governo dos Estados Unidos a fim de que se
prestasse apoio aos cidadãos deste país para que solicitem e obtenham, pelo
mundo, concessões petrolíferas. O presidente Wilson prestou seu apoio a este
propósito, a pesar de ser contrário aos trusts, e o presidente Harding o lembrou
de sua poderosa influência.”
Constituição - “O que estabeleceu a
Constituição, em primeiro termo, é que suas prescrições têm por objeto assegurar
o bem-estar dos habitantes da Nação. Pois bem: para isso será indispensável que
o Estado, com unidade de critério e de princípios, possa vigiar a exploração
desta fonte inestimável de riqueza pública, caracterizada como uma das forças
vitais de toda a soberania, e metodizar também sua técnica, regularizar sua
utilização, exercer controle no mercado e evitar a organização de entidades
poderosas que possam causar ao país perturbações econômicas e
políticas.”
Planos - “Na vida, uma das cosas mais fáceis é
ter ideias e projetos e, até posso dizer, muito boas ideias e projetos; basta
para isso um cérebro discreto e um pouco de imaginação; mas o diabolicamente
difícil é tomar a menor ideia ou projeto, organizá-lo, pô-lo em pé e fazê-lo
caminhar. E quando se trata de assuntos dirigidos pelo governo e que são alvo de
toda classe de críticas, justas ou injustas, imparciais ou apaixonadas, se
requer uma total convergência de forças e propósitos para levá-los a cabo.”
(Discurso na destilaria da YPF em La Plata, província de Buenos
Aires.)
Independência - “A Academia de Ciências e Artes
do Rio de Janeiro prevê, sem dúvida, o que considero correto: que a América
Latina, para cumprir a trajetória de seu destino, deverá realizar durante o
século XXI a independência econômica de seus povos.” (Discurso no Rio de
Janeiro, 1938)
Conservar - “A falta de critério conservativo na
exploração de nossas reservas, por parte das empresas privadas trouxe, sem
dúvida, um aumento da produção, que aparentemente beneficiou o país ao reduzir o
montante da importação, mas que não o beneficiou enquanto o ouro dos lucros
obtidos pelas empresas emigrou do país, indo reforçar as áreas dos grandes
consórcios internacionais. (...) Por isso considero que uma política de
conservação do nosso petróleo só pode ser realizada com êxito sobre a base da
nacionalização das reservas do país, política que afastaria para sempre o perigo
de dependências estranhas, assegurando para nossas instituições fundamentais da
defensa nacional e da vida econômica de nossa pátria, o petróleo, combustível
insubstituível até agora.”
Continente - “Ontem a Argentina, com sua YPF, e
o México; hoje o Uruguai; amanhã o Brasil, o Chile, o Peru, a Colômbia e a
Venezuela levantarão iguais ou similares organizações sobre as quais descansará
majestosa a grande cúpula da independência integral da América Latina, em cuja
sombra e albergue viverão seus povos em amplo bem-estar, elaborando afanosos em
solidária fraternidade em prol das ciências e das artes.” (Discurso na
Ancap, a empresa pública petrolífera uruguaia)
Luta - “A luta pelo domínio das fontes de
combustível líquido é tanto mais violenta quanto maior riqueza evidencia. Os
grandes trustes, particularmente a Standard Oil, de reputação funesta em seu
próprio país, põe em prática em todos os lugares os mesmos procedimentos para o
acúmulo e domínio das reservas de petróleo. O ouro que dispõe e a falta de
princípios morais que os caracteriza, estimulam as ambições malsãs, provocam a
infidelidade e a traição – produzida pelo suborno – dos funcionários de toda
ordem e categoria: funcionários subalternos das repartições públicas que
favorecem as gestões administrativas das companhias; advogados, as vezes
prestigiados no país em que operam, que as defendem, ainda quando contrariam os
interesses da Nação; ministros plenipotenciários em Washington que se
transformam em gerentes oficiais da Standard Oil; políticos destacados que
ambicionam altas posições públicas convertidos em procuradores das poderosas
organizações; magistrados que julgaram em pleitos da companhia que se fazem seus
defensores e recebem grossos emolumentos; legisladores que fazem complô para
favorecer às companhias petrolíferas; governantes que, subitamente, de inimigos
acérrimos passam a ser decididos defensores; ministros de Estado que traem a sua
pátria não cumprindo com seu dever e atentando contra o interesse coletivo; são
os imorais e frequentes episódios que incessantemente chegam a conhecimento
público no México, nos Estados Unidos da América do Norte, na Colômbia,
Argentina, etc., na desesperada luta que se livra em torno do extraordinário
mineral.”
Mercado - “As organizações que dominam o mercado
do combustível líquido regulam e fixam os preços sem considerar os fatores
econômicos locais. A América do Sul pagará assim as perdas sofridas no Oriente
ou vice-versa. Se as instalações incendeiam ou se evaporam produtos que importam
milhões de dólares, se elevará o preço de venda na quantidade e tempo
necessários que o mercado possa suportar. Os preços se fixam para chegar ao
máximo de lucro que possam proporcionar os prazos de consumo e não para alcançar
benefícios equitativos e proporcionais ao capital investido.”
Tradução: Libório Junior
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