Um caso hipotético de associação da mídia com o crime

Por Jotavê
Vamos fazer uma analogia.
Suponha que você tem um informante dentro de uma quadrilha atuando num dos morros do Rio de Janeiro. Esse informante lhe passa gravações que demonstram o envolvimento de políticos e policiais com a quadrilha rival, mas pede sigilo da fonte. O que você faz? Publica, ou não? Mantém o pacto de sigilo, ou não?
Suponha que você publique aquele material, e que esse informante (um bandido, não nos esqueçamos disso) lhe diz que pode lhe conseguir muitas outras informações, desde que você mantenha com ele um pacto de não revelar de onde vêm essas informações. Você publica uma, duas, três reportagens a respeito da quadrilha rival e de seus aliados no aparelho de Estado. Mantém o pacto com seu informante. Não revela seu nome. Anos se passam, e várias reportagens sobre o grupo rival vêm à tona. Nenhuma sobre o grupo de seu informante. Você agiu corretamente, ou não?
Suponha que, ao longo desses anos, você fique sabendo que o seu informante também tem conexões dentro do aparelho de Estado. Você sabe os nomes, e poderia perfeitamente montar reportagens denunciando esse OUTRO esquema. Sabe, porém, que a partir do momento que fizer isso, a fonte seca. O que você faz? Deixa a denúncia desse outro esquema para outros órgãos de imprensa? Conclui que, no final das contas, as informações que você ainda pode obter daquela fonte são mais importantes do que as informações que você divulgaria agora, arruinando assim grande parte de seu trabalho futuro? (Veja que, até aqui, você pode estar raciocinando levando em consideração apenas o bem público.)
Suponha, no entanto, que você não apenas silencie a respeito das conexões da quadrilha de seus informantes com o aparelho de Estado. Você passa a PROMOVER deputados, juízes e delegados que estão associados aos "seus" traficantes. Dá primeira capa para um. Páginas amarelas para outro. Foto com roupas de mosqueteiro para um terceiro, e assim por diante. Claramente, você terá ultrapassado os limites de qualquer código de ética jornalística.
Suponha, finalmente, algo ainda pior. Você está, desde o início, associado a um certo grupo de políticos, e empenhado em destruir o grupo adversário. Quem o leva até o seu informante é um desses políticos. Ele o apresenta ao traficante (que, por sinal, tem uma série de negócios LEGAIS, que usa para lavar o dinheiro obtido no mundo do crime). O traficante passa a ser seu informante, e a fornecer munição para você atacar exatamente o grupo que, desde o começo, você estava interessado em destruir. Você não tem nenhuma simpatia por esse traficante, é claro. Mas tem simpatia pelo grupo político ao qual ele está ligado. Estabelece com ele, então, uma relação simbiótica: "me ajude a destruir tais e tais políticos, que eu não atrapalho o seu negócio, e ainda por cima ajudo a promover os políticos que irão apoiá-lo". Aqui, talvez tenhamos resvalado para o campo propriamente criminal.
O comportamento da revista Veja, ao longo desses anos todos, inseriu-se em algum ponto desse espectro de atitudes que esbocei acima. Se queremos ter uma argumentação consistente, é preciso fazer mais do que simplesmente externar nossos "sentimentos", ou nossas "suspeitas". Temos que reunir elementos que levem uma pessoa que NÃO TEM esses sentimentos, nem essas suspeitas, a se convencer de que estamos certos. Não vale roubar no meio do jogo. Isso só descredencia o argumentador, e dá a chance de o adversário denunciar a trapaça em duas linhas. A honestidade intelectual é o melhor caminho - até mesmo de um ponto de vista prático.
Vamos tentar?