Esclarecimentos sobre a Rio+20, por Ladislau Dowbor

Por Almeida
Um guia de leituras para compreender os encontros, seu contexto e os caminhos para a sustentabilidade sócio-ambiental — inclusive no Brasil
Por Ladislau Dowbor*
Pontos de referência
Primeiro, se você se sente confuso relativamente à Rio+20, bem vindo ao clube. O desafio, no entanto, é simples. Por um lado, agravam-se os dramas do aquecimento global, da liquidação das florestas originais, da destruição da vida nos mares, da perda de solo agrícola, da redução da biodiversidade, do esgotamento de recursos naturais críticos. Por outro lado, temos um bilhão de pessoas que passam fome, destas 180 milhões são crianças, e destas entre 10 e 11 milhões morrem de inanição ou de não acesso a uma coisa tão prosaica como água limpa, ou seja, 30 mil por dia, dez torres gêmeas em termos de mortes por dia. Morrem no silêncio da pobreza, não rendem o mesmo espetáculo para a mídia. Não estamos matando, deixamos morrer. Um terço da humanidade ainda cozinha com lenha. Já morreram 25 milhões de Aids, enquanto discutimos o valor das patentes. Isto num planeta que graças a tantas tecnologias é simplesmente farto. Produzimos no mundo 2 bilhões de toneladas só de grãos, o que equivale a 800 gramas por pessoa e por dia, sem falar de outros alimentos. Se dividirmos os 63 trilhões de dólares do PIB mundial pelos 7 biliões de habitantes, são 5400 reais por mês por família de quatro pessoas. Com o que produzimos poderíamos todos viver com paz e dignidade. E temos 737 grupos corporativos mundiais, 75% deles de intermediação financeira, que controlam 80% do sistema corporativo mundial, o que explica o número de bilionários. No conjunto, buscam maximizar os lucros, ainda que o planeta entre em crise financeira e produtiva generalizada. A simplicidade do desafio, é que estamos acabando com o planeta para o benefício de uma minoria. Houston, we have a problem.
....Em outros termos, há uma convergência de processos críticos, o ambiental, o social e o econômico. E o denominador comum dos três processos, é o problema da governança, de gestão da sociedade no sentido amplo. Sabemos administrar unidades, uma empresa, uma repartição pública, uma organização da sociedade civil. Estamos apenas aprendendo a articular o conjunto para o bem comum, e isto, gostemos ou não, é política. Enfrentamos problemas globais quando as estruturas políticas realmente existentes estão fragmentadas em 194 estados-nação. Ao tripé que aparentemente recolhe a nossa unanimidade – uma sociedade economicamente viável, socialmente justa e ambientalmente sustentável – precisamos portanto hoje acrescentar o pilar da governança, os desagradáveis assuntos políticos, saber quem tomará as decisões, de onde virá o financiamento, como será realizado o seguimento e o controle. A Rio-92 desenhou os desafios do tripé de maneira competente, com a Agenda 21 e as grandes convenções do clima e da biodiversidade. Sabemos sim para onde ir. A Rio+20 terá o desafios mais espinhoso de enfrentar o dilema da governança, da criação de estruturas político-institucionais que façam acontecer. Não é uma opção, é uma necessidade. Com o agravamento dos processos planetários, estamos, como diz Ignacy Sachs, condenados a inovar.
Não tenho na presente nota nenhuma pretensão de apresentar respostas para dilemas deste porte. Mas pareceu-me útil fazer uma pequena resenha de documentos que me têm passado pelas mãos, uma forma prática de facilitar a vida de quem está buscando boas leituras.

Sistematização dos desafios
No geral mesmo, a leitura básica me parece ser o curiosamente chamado Plano B 4.0 de Lester Brown, disponível online e gratuitamente, em português. Trata-se essencialmente de um roteiro que apresenta de maneira simples cada um dos principais desafios, as medidas necessárias, os seus custos e factibilidade. O subtítulo do livro diz a que vem: Mobilização para salvar a civilização. Como Lester Brown atualiza constantemente os seus textos, estamos na crista da onda. Para quem maneja o inglês, aliás, vale a pena ler o seu pequeno estudo chamado World on the Edge: how to prevent environmental and economic colapse,leitura curta e genial que caracteriza a nossa crise civilizatória.
Na linha ainda das visões gerais, uma belíssima consulta online é o Keeping Track of our Changing Enviroment: from Rio to Rio+20 (1992-2012)também chamado Geo-5, publicado pelo PNUMA, que apresenta em gráficos muito didáticos, com curtos comentários, tudo que há de novo desde 1992: população, urbanização, alimentos, gênero, PIB, extração de recursos naturais, emissões, mudança climática, florestas, água, governança, agricultura, pesca, energia, indústria, tecnologia. Um instrumento de trabalho realmente de primeira linha em termos de dados básicos de como tem evoluído a situação do planeta nos últimos 20 anos.
No plano da análise em profundidade dos mecanismos, uma excelente leitura me parece ser o relatório encomendado pelas Nações Unidas, Building a Sustainable and Desirable Economy-in-society-in-natureestudo que reuniu vários dos melhores especialistas do mundo, como Gar Alperovitz, Herman Daly, Juliet Schor, Tim Jackson e outros. O estudo encara efetivamente os principais mecanismos econômicos que temos de transformar: “Vamos precisar de uma ciência econômica que respeite os limites do planeta, que reconheça a dependência do bem estar do ser humano das relações e correção sociais, e que reconheça que o objetivo final é um bem estar humano real e sustentável, não apenas o crescimento do consumo material. Esta nova ciência econômica reconhece que a economia está situada numa sociedade e cultura que estão elas mesmas situadas no sistema ecológico de suporte da vida, e que a economia não pode crescer para sempre neste planeta limitado.” (iv)
Documentos oficiais básicos

*Ladislau Dowbor é professor titular da PUC-SP, e consultor de várias agências das Nações Unidas. Os seus textos estão disponíveis online no site http://dowbor.org/, em Creative Comons (livre uso não comercial). Ver também textos disponíveis no blog