Ordem e Progresso

[ou, porque sou da oposição]
O problema
As propostas para atualização do Código Penal foram encaminhadas ao Congresso. Entre elas a classificação da homofobia como crime inafiançável e imprescritível.
Isto é óbvio e necessário, como diz Mair Pena Neto em http://bit.ly/LxeuNj Mas ele também salienta que a mudança “não será aprovada facilmente pelo Senado e pela Câmara."
Por que o Senado e a Câmara não aprovariam? Porque estão esperando, praticamente desejando, que ocorram mais tragédias como esta   http://glo.bo/NduaWp, esta http://glo.bo/LBKLY0 ou esta http://glo.bo/NGbDDd              
Ou seja, não se trata mais de um crime cruel a cada 2 dias, que em 2006 motivou a redação do PLC 122, que chegou a ser aprovado na Câmara em 2009, quando as bancadas evangélicas não eram tão cortejadas pelos políticos. Os homofóbicos agora se sentem tão encorajados no seu fanatismo delirante que já vamos para 1 crime por dia. Depois iremos para 2 por dia. Segundo pesquisa Fapesp de 2009, 27% dos maiores de 16 anos NÃO SE SENTEM constrangidos em se declarar explicitamente homofóbicos.
Entretanto, graças à criminalização do racismo em 1989, a taxa de pessoas que se  autodeclara racista caiu de 10% para 4% em 20 anos (segundo a apresentação do estudo em questão.) Se é certo que a homofobia não desaparecerá por decreto (além da criminalização é importante o investimento pedagógico e um discurso inclusivo por parte de autoridades), assim como o racismo não desapareceu, é também certo que a Lei 7716/89 trouxe muitos benefícios.
A omissão
Mas a grande maioria hoje se sente muito feliz com economia crescendo, desemprego caindo, elevadas popularidades dos governos nos três níveis. E enquanto a homofobia não atingir fisicamente um parente próximo (digo fisicamente, por que moralmente atinge diuturnamente a todos os LGBTs) as pessoas não se sentem responsáveis. Isso não é apenas em relação à homofobia, claro, há outras coisas nas quais não se mexe por insensibilidade social ou preconceito. Brasileiro é mais omisso que “cordial”. Mas a homofobia é das poucas causas do atraso que conta com apoio político aberto, apesar da constante presença na imprensa de suas consequências.  Ao contrário do trabalho escravo e da depredação do meio-ambiente, conta inclusive com a complacência de setores que se dizem “progressistas” ou “de esquerda”.
A não ser interesse eleitoral, não há nenhuma explicação para que os Poderes Executivo e Legislativo não atuem o quanto antes. Os legisladores em si não são homofóbicos em sua maioria, seria irracional imaginar isso de pessoas tão experientes e em contato com a realidade, mas são cruelmente omissos. O mesmo podemos dizer de seus eleitores, quando conscientes do problema mas fingindo que não é importante, tão somente porque não são as vítimas do momento.
Vemos, às vezes, tentativas de justificar esta situação (a não-criminalização da homofobia) com os hipotéticos benefícios para a sociedade que adviriam com o apoio eleitoral de líderes fundamentalistas. Todo tipo de tergiversação e sofisma é usado por fundamentalistas e políticos. Isso quando não ocorrem acusações bisonhas do tipo “combater homofobia é discurso da imprensa golpista” (acredite-se, já vi isso escrito em uma discussão em um blog.) Ou, além, que precisamos esperar que a maioria dos eleitores (a “sociedade”) pressione por um novo discurso, numa clara estratégia de procrastinação. Mas, ora, educar não é papel também dos poderes (e líderes) políticos?
A indignação
Nenhum desses argumentos me convence, definitivamente. Não há benefício algum que justifique compactuar com o preconceito, não há defesa racional para a manutenção de legislações anacrônicas e omissas. Se isso for idealismo ingênuo, eu sou um idealista ingênuo com muito orgulho de sê-lo. Direitos humanos são INEGOCIÁVEIS. A atualização da legislação não requer recursos além da consciência dos indivíduos com poder para mudá-la, qualquer argumentação que diga que é necessário cuidar de outras carências primeiro, quer se trate de educação e saúde, é falaciosa. Não há nem bolo para repartir nem tempo para esperar.
Parcela cada vez maior da comunidade LGBT se percebe abandonada, usada como moeda de troca eleitoral (o mecanismo como isso se dá pode ser intuído por todos, assim como os interesses envolvidos.) Vemos isso na eleição para prefeito de São Paulo, onde a maioria dos principais candidatos corre com grande desenvoltura a cultos e igrejas, mas foge como o Diabo da cruz de aparecer em um evento como a Parada Gay (que de desimportante não tem nada.) Exceções apenas Russomano, Soninha e Giannazi.
Políticos brasileiros têm medo de se declararem favoráveis ao Casamento Igualitário, mesmo que intimamente o sejam. Mais ou menos como ocorre com outras questões, como a descriminalização do aborto e da maconha. Alguém acredita que pessoas que chegam ao ponto de disputar cargos majoritários possam sinceramente acreditar que LGBTs não devem ter os mesmos direitos que os demais? E devemos votar em político medroso? Muito importante, neste ponto, será que a imprensa não “facilite” para políticos, que estes sejam continuamente questionados em relação a suas posições sobre direitos civis LGBT e sobre como combater a homofobia. É possível que, pressionados e temerosos, em um primeiro momento se declarem “conservadores”. Pois bem, pelo menos que isso fique bem registrado e sem reservas. Chegará o momento em que as pessoas lembrarão. Do mesmo modo que pessoas se engajam nos direitos de palestinos e tibetanos, ou nas questões envolvendo touros ibéricos e sacolinhas plásticas paulistas, um dia lembrarão dos direitos do gay, da lésbica ou d@ trans da rua de trás.
Eu prefiro ser oposição, defendendo ideias e discursos evolutivos e inclusivos, que compactuar com a encenação do Brasil atual. Mesmo que os políticos que façam tais discursos ainda não tenham chance de chegar ao poder executivo (federal, estadual ou municipal.) Podem ser de direita, de centro ou de esquerda. Isso não importa porque a igualdade de direitos civis e a proteção contra discriminações devem ser bandeira prioritária de todos. Bom, deveriam ser. Daqui a uma geração olharemos para trás e veremos como nossos tempos atuais são absurdos. E eu não gosto de me arrepender por votos passados nem de ser conduzido.
E também acho que o governo federal atual (poder Executivo, Ministérios, bancada governista) é tão exageradamente condescendente com qualquer discurso fundamentalista, quer seja feito no Congresso ou em partidos de apoio, que me coloco inequivocamente nos 8% que consideram o governo “ruim”. Os governos estaduais e municipais de todo o país também merecem ser frequentemente condenados, especialmente por não fazerem NADA em relação à epidemia de assédio (bullying) nas escolas (entre outras mazelas a seus respectivos alcances.) Pior: surgem políticos que pretendem reinstituir a educação religiosa oficial e ainda banir a menção a homossexualidade em escolas. O Irã é aqui.
O moralismo
Qual a diferença entre o discurso de preconceito e ódio que gera essa mortandade toda (o Brasil é apontado como pátria-mãe gentil de 40% dos crimes homofóbicos fatais mundiais, sem contar adolescentes expulsos de casa, pessoas reprimidas nos empregos, agressões no comércio, insultos e ofensas em escolas e em todo tipo de lugar), com o discurso preconceituoso em relação a idealistas de esquerda, que fez tanta gente perder o emprego nos anos 1960/70, que fazia as pessoas se reunirem escondidas para conversar ou emigrarem para respirar ares menos opressivos? Sem contar as repressões e torturas injustificáveis que levaram a tantas mortes e dor. A obrigação de ter que votar sem saber em quem...
Censurar homossexuais é mais correto que censurar comunistas? O beijo de pessoas do mesmo sexo é mais perigoso que a reunião de 3 pessoas na calçada?
O discurso moralista-conservador que busca justificar, hoje em dia, o fechar de olhos de tantas pessoas à homofobia, é mais benéfico para a sociedade que o discurso moralista-conservador que, nos anos de chumbo, buscava validar a censura à imprensa e a proibição de greves?
Dizer que a maioria da população é religiosa é mais justificável, para os efeitos de análise do Código Penal, que, antanho, dizer que a maioria da população queria saber de Ordem e Progresso?
Há discursos moralistas melhores que os outros? Nos anos 1970 a maioria também não se mobilizava se não tivesse um parente próximo envolvido