sábado, 24 de setembro de 2011

Fernando Pessoa

A Minha Alma Partiu-se (Fernando Pessoa) escrito em sábado 27 agosto 2011 17:01 A minha alma partiu-se como um vaso vazio. Caiu pela escada excessivamente abaixo. Caiu das mãos da criada descuidada. Caiu, fez-se em mais pedaços do que havia louça no vaso. Asneira? Impossível? Sei lá! Tenho mais sensações do que tinha quando me sentia eu. Sou um espalhamento de cacos sobre um capacho por sacudir. Fiz barulho na queda como um vaso que se partia. Os deuses que há debruçam-se do parapeito da escada. E fitam os cacos que a criada deles fez de mim. Não se zanguem com ela. São tolerantes com ela. O que era eu um vaso vazio? Olham os cacos absurdamente conscientes, Mas conscientes de si mesmos, não conscientes deles. Olham e sorriem. Sorriem tolerantes à criada involuntária. Alastra a grande escadaria atapetada de estrelas. Um caco brilha, virado do exterior lustroso, entre os astros. A minha obra? A minha alma principal? A minha vida? Um caco. E os deuses olham-o especialmente, pois não sabem por que ficou ali. (Fernando Pessoa/Álvaro de Campos

Nenhum comentário:

Postar um comentário