García Márquez e o jornalismo

Comentário ao post "A relação entre jornalismo e literatura"
Por Rogério Miranzelo

Valeu Werneck, texto excelente e esclarecedor. Valeu Nassif, por reproduzi-lo.

Contribuo com essa discussão postando aqui o link de uma resenha que escrevi,

em 2006, sobre uma novela de Gabriel García Márquez, outro autor que cai bem neste papo.

Um abraço a vocês e aos leitores,

Rogério Miranzelo (Belo Horizonte - twitter: @miranzelo)
García Márquez une concisão e delicadeza em novo romance
Claro, conciso e com pitadas de lirismo. Assim é o texto de Gabriel García Márquez em seu romance Memória de minhas putas tristes (Record, 2005). Autor tanto de obras mais pretensiosas, como Cem anos de solidão, quanto de livros de reportagem, feito A aventura de Miguel Littín clandestino no Chile, o escritor colombiano mantém aqui sua marca, ao conseguir mesclar a objetividade do texto jornalístico com a arte e o requinte da redação ficcional: “Enquanto conversávamos vimos entrar pela desembocadura um transatlântico branco e o seguimos calados até ouvir seu bramido de touro lúgubre no porto fluvial” (pág. 109).
Vez por outra se discute se a profissão de jornalista ajuda ou atrapalha no ofício de escritor. Os que vêem isso positivamente defendem que a prática jornalística funciona como uma espécie de motor para o texto literário. Já os que discordam, reputam pobre em estilo e forma o texto de jornal, se comparado ao dos bons romances. García Márquez, que dedicou uma vida inteira ao jornalismo, desmente estes últimos. Assim como alguns integrantes do new journalism, movimento surgido nos EUA nas décadas de 1960 e 1970, que levou para as redações jornalistas de textos refinados, a exemplo de Tom Wolfe.
No delicado Memoria de mis putas tristes (título original em espanhol) não há desperdício de palavras ou frases, nas poucas e corretas 127 páginas, bem estruturadas em cinco capítulos, que mais o aproximam de uma novela.
Ao tratar de assunto tão controverso, a prostituição, o autor o faz com sensibilidade, narrando a relação próxima do protagonista, um jornalista de 90 anos,  com Delgadina, menina de apenas 14 anos. Jovem de espírito, o personagem reflete: “Os adolescentes da minha geração, ávidos pela vida, esqueceram de corpo e alma as ilusões do porvir, até que a realidade ensinou a eles que o futuro não era do jeito que sonhavam e descobriram a nostalgia” (pág. 45).
Além do título do livro, também a frase que abre o romance poderá chocar alguns leitores, por ser a fala de um velho que deseja se “dar de presente uma noite de amor louco com uma adolescente virgem”. Entretanto, estamos diante de uma história bem contada, que jamais descamba em baixaria. E triste é a literatura que não surpreende.
Para perseguir seu intento, o protagonista se vale da cafetina Rosa Cabarcas, sua principal interlocutora. Ela é quem lhe apresenta Delgadina, a menina desejada, que muda sua vida: “Incrível: vendo-a e tocando-a em carne e osso, me parecia menos real que em minhas lembranças” (pág. 71).
O amor à música (Wagner e Debussy, dentre outros, percorrem os capítulos), o amor à vida, o amor a uma jovem adormecida (que por vezes o leva a situações ridículas), as crônicas para um jornal de província, um gato a preencher os dias de solidão, boleros e bordéis: estes são os elementos que compõem personagem e narrativa de um mestre da literatura.