O neto de León Trotsky
Enviado por luisnassif, qua, 29/08/2012 - 14:35
Por RAYMUNDO
Da BBC Brasil
Há 75 anos, o intelectual e revolucionário bolchevique León Trotsky, expulso do Partido Comunista Soviético e forçado ao exílio, foi começar vida nova no México. Perseguido pelos assassinos de Josef Stálin, no entanto, Trotsky foi morto na Cidade do México.
Em depoimento ao programa Witness, do Serviço Mundial da BBC, o neto do revolucionário, Esteban Volkov, que estava com o avô quando ele morreu, relembrou as emoções sentidas naquele dia.
Para alguns, León Trotsky foi o verdadeiro herói da Revolução Bolchevique de 1917, que derrubou o czarismo russo e culminou com a criação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Para outros, Trotsky foi um dos homens mais perigosos de sua era.
Mas para Volker, o revolucionário soviético foi uma figura paterna, que deu ao neto momentos raros de estabilidade e alegria em um período de tumulto na vida familiar em meio a um ciclo de perseguições políticas.
"Eu estava constantemente trocando de figuras paternas e maternas", contou Volker, hoje com 86 anos. Com o "velho" - a forma carinhosa como se refere ao avô - "eu finalmente encontrei algo estável, ainda que não tenha durado muito".
Falando da casa na Cidade do México onde viveu por mais de um ano com Trotsky e sua segunda esposa, Natália, até o assassinato, Volkov lembrou da empolgação que sentiu ao chegar à América.
Ele tinha apenas 13 anos e havia passado a maior parte de sua infância se mudando de um país para o outro com a mãe, Zinalda - filha de Trotsky - procurando refúgio contra a perseguição de Stálin, com quem Trotsky disputou o poder após a morte de Vladimir Lênin.
"O México foi uma mudança absoluta, era cheio de cores, sol. Tão diferente da Europa", disse. "Comecei a ir para a escola sozinho, a pé. Ninguém na escola sabia quem era a minha família."
Vida em Família
A vida na casa grande e bem protegida por guardas no bairro arborizado de Coayacan era "cheia de diversão".
Trotsky passava o dia escrevendo, sendo entrevistado por jornalistas ou discutindo política com militantes estrangeiros e guarda-costas que viviam com a família.
Durante as refeições, o jovem escutava atentamente as piadas e discussões acaloradas à mesa. Aos outros, no entanto, o avô dava ordens expressas de que não falassem de política na frente do menino.
"Sua famíla inteira havia sido assassinada, ou morrido por causa da política, e eu acho que ele queria que seu neto sobrevivesse."
O pai de Volkov, genro de Trotsky, havia sido enviado a um gulag - nome dado aos campos de prisioneiros soviéticos -na década de 1930. Sua mãe, Zinalda, havia cometido suicídio quando eles viviam no exílio em Paris.
Quem foi León Trotsky?
Nascido Lev Davidovich Bronshtein em 1879, foi eleito presidente do Soviete de Petrogrado antes da Revolução Russa. Tornou-se o chefe do Exército Vermelho em 1918, comandando-o à vitória na guerra civil russa (entre 1918 e 1920). Isolado politicamente por Stálin após a morte de Lênin, foi expulso do Partido Comunista em 1927 e deportado em 1929.
Volkov contou que todas as manhãs o avô se levantava cedo para cuidar de suas plantas e animais antes de se fechar no escritório.
"Eu o ajudava a alimentar os coelhos e galinhas, e a regar o milho." Os dois conversavam em francês, porque o menino havia perdido a habilidade de falar russo, sua língua materna.
Eles também faziam, regularmente, passeios para fora da cidade, com a família e os amigos reunidos em vários carros. Uma vez no campo, o "velho" passava horas procurando cactos ou conversando com os camponeses mexicanos sobre suas vidas.
Para Volkov, esses foram dias de relativa normalidade e de uma vida familiar que ele não tinha conhecido anteriormente. Mas tudo isso viria a terminar repentinamente.
Às 4h da manhã do dia 24 de maio de 1940, o jovem acordou de sobressalto: atiradores enviados por Stálin haviam invadido a casa.
Volkov saltou da cama e se escondeu em um canto do quarto. Com balas ricocheteando pelo cômodo, Volkov foi ferido no pé. Os guardas de Trotsky reagiram e conseguiram espantar os atiradores, que fugiram.
Trotsky e Natália escaparam ilesos. "Se eu fiquei assustado? No começo sim, mas assim que ouvimos a voz do meu avô, cheio de vida, bem, é difícil de descrever nossa felicidade por havermos escapado dos homens de Stálin."
Segunda Tentativa
Depois desse incidente, Trotsky raramente saía de casa e a segurança ficou ainda mais rigorosa, com mais guardas e mais armas. As viagens para o campo foram abandonadas.
"Logo me acostumei a viver naquelas condições", diz o neto.
Mas a pergunta na cabeça de cada um era: De onde viria o próximo atentado à vida de Trotsky?
Os acontecimentos do dia 20 de agosto de 1940 ficaram gravados na memória de Esteban Volkov.
O assassinato
A arma usada para matar Trotsky foi um utensílio pontiagudo e afiado utilizado por montanhistas para quebrar gelo
Mercader, o stalinista infiltrado, havia encurtado o cabo do quebrador de gelo de forma a entrar na casa com o objeto escondido
Após sua morte, o coração e o cérebro de Trotsky foram removidos
Concluiu-se que o cérebro do revolucionário tinha peso acima do normal
Foi nesse dia que Ramón Mercader, um agente stalinista de origem espanhola que havia se infiltrado na casa de Trotsky, feriu fatalmente o líder bolchevique ao atingir sua cabeça com um utensílio de quebrar gelo.
Falando lentamente, tomando cuidado para não omitir nenhum detalhe, Volker contou que ao retornar para casa, a pé, depois da aula, notou que a porta da casa estava aberta. Um carro da polícia estava estacionado do lado de fora.
Cheio de temor, correu para dentro. Os guardas estavam consternados.
Antes de ser afastado do local, viu o avô de relance, deitado no chão do escritório, sangrando muito. Natália estava ao seu lado.
"Não deixe o menino ver isso", Trotsky teria dito a ela. Ele morreu no dia seguinte, no hospital.
O menino ficou tão perturbado que se recusou a ir ao enterro do avô. "A atmosfera na casa ficou muito, muito solitária depois daquilo", ele disse.
Após a morte de Trotsky, Volkov continuou vivendo no México com Natália. Ele foi para a universidade, formou-se químico, casou-se e criou quatro filhas - algo que trouxe muito conforto para Natália, de luto pela perda do marido assassinado.
Ela morreu em janeiro de 1962. Volkov, hoje também viúvo, transformou a antiga casa da família em um museu.
Honrar a memória do avô, ele explicou, é o seu "dever".
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