Doença acompanhada por um estigma racial
Enviado por luisnassif, qui, 31/01/2013 - 16:39
Por implacavel
Do blog ACC - Doença Falciforme
O significado social da Anemia Falciforme
Jaqueline Portela e Natália Figueroa - Estudantes de Sociologia
A Anemia Falciforme é a doença hereditária mais prevalente no Brasil com distribuição heterogênea nos estados. Segundo dados do Ministério da Saúde, calcula-se que nasçam, por ano, no país cerca país cerca de 3.500 crianças com Doença Falciforme e 200.000 portadores de Traço¹. A doença ocorre pela presença da hemoglobina S, resultado da mutação pontual GAG à GTG no gene beta da globina, com substituição do ácido glutâmico por valina na sexta posição da cadeia polipeptídica beta (Máximo, 2009). A doença apresenta um quadro clínico caracterizado por anemia hemolítica intensa, crises álgicas, infecções recorrentes e infartos pulmonares, deficiência no crescimento e na maturação sexual, acidente vascular cerebral e comprometimento múltiplo de órgãos e sistemas. Embora não exista cura para Anemia Falciforme, o diagnóstico precoce e o acompanhamento por profissionais de diversas áreas do conhecimento contribuem para a redução dos efeitos decorrentes da doença ( ).
O primeiro caso de Anemia Falciforme foi registrado pelo médico James Herrick em um estudante negro caribenho em 1910. Desde então, a Anemia Falciforme foi ligada ao corpo negro. A doença serviu em muitos casos nos EUA, principalmente entre as décadas de 1920 a 1940, como marcador racial que definia quem era ou não negro, sendo utilizada para reafirmar diferenças raciais e chamar a atenção para a condição do “corpo negro” como portador de enfermidades e capaz de difundi-las pela população branca. O autor Fry (2005), em seu texto “O significado da Anemia Falciforme no contexto da ‘política racial’ do governo brasileiro 1995-2004”, retrata esse histórico entre o corpo negro e a doença. O autor ressalta que apesar das descobertas científicas que refutavam as teorias que associavam a doença ao corpo negro, as “elaborações secundárias” a legitimavam. Ainda segundo Fry, a teoria que ligava a doença ao corpo negro era tão inquestionável que as outras teorias, como a mendeliana², e casos que comprovavam o contrário, eram revestidas de explicações ou ‘elaborações secundárias’, por exemplo, o aparecimento da doença em uma pessoa considerada branca. Nesse caso, o questionamento era se de fato o indivíduo era branco e não a confirmação de que a doença não era exclusividade do corpo negro.
Embora essa realidade apresentada em estudo de Fry (2005) e Macedo (2006) seja dos EUA, o mesmo significado atribuído à doença e ao corpo negro foi imposto no Brasil. Segundo Diniz (2006), ao analisar o discurso da mídia brasileira sobre a anemia falciforme, essa autora argumenta que a doença, historicamente, recebeu a interpretação de ser uma “doença de negros”. Seu estudo mostra que em algumas matérias do jornal “A Tarde” da Bahia, a anemia falciforme era noticiada como um problema de saúde pública atribuído à população negra e não como uma doença genética. Ainda segundo Diniz, as matérias mostram que são raros os casos nos quais os profissionais de saúde dizem desconhecer o fato da anemia falciforme não ser uma doença exclusiva da população negra. Tal postura, conclui Diniz (2006), demonstra o quanto a ideia que associa a anemia falciforme à população negra está disseminada entre a população geral e entre os profissionais de saúde.
O autor Fry (2005) também chega a uma conclusão semelhante á de Diniz em seu texto. Para ele, a rede discursiva brasileira (mídia, discurso médico, etc) criada em torno da anemia falciforme contribui para a naturalização da raça e para o aumento da estigmatização da população negra. Segundo ele, as informações presentes nos folhetos que tratam da anemia falciforme contribuem para uma ligação maior entre esta condição e o corpo negro. Porém, Fry ainda admite a existência de uma mudança nessa visão. No final do seu texto, ele analisa pesquisas que demostram a inexistência dessa relação.
Conclui-se, portanto, que a anemia falciforme é acompanhada por um estigma racial, em decorrência das redes discursivas criadas em torno dos indivíduos que a possuem. Esse caso, em particular, leva-nos a refletir sobre as relações entre ciência e cultura. A ciência– imbuída de um discurso de “busca eterna pela verdade”- pretende transcender a cultura e alcança, com isso, legitimação social. Esse processo chega ao ápice na sociedade contemporânea ocidental. Os discursos científicos, cada vez mais críveis pela população, de modo geral, reforçam e estabelecem categorias sociais que implicam nas relações dos indivíduos entre si. Cabe aqui uma observação: há de se disseminar as ideias que afastam a noção de corpo negro e anemia falciforme pela educação continuada sobre a sua origem. Desta forma, muda-se o significado atribuído à doença falciforme, porque apesar dessas construções sociais serem “fixas” em um determinado período de tempo no bojo de uma sociedade, não se configuram como imutáveis.
¹ Dados recolhidos do site do Ministério da saúde:http://portal.saude.gov.br/portal/saude/visualizar_texto.cfm?idtxt=27777&janela=1. Acesso em 17/05/2011.
²A teoria mendeliana consiste na explicação genética proposta para a doença. Conforme essa teoria, a anemia falciforme é definida como de herança genética, associada a uma mutação específica. Assim, a doença é causada pela mutação de um gene e não por conta da cor da pele do indivíduo!
Bibliografia Consultada
DINIZ, Débora; GUEDES, Cristiano. A Informação Genética na Mídia Impressa: A Anemia Falciforme em Questão. Série Anais, v. 35, 1-7 junho. p.1-7. 2004.
FRY, Peter. “O significado da anemia falciforme no contexto da ‘política racial’ do governo brasileiro MACEDO1995-2004”.
MACEDO, Luciana. A POLÍTICA DE “SAÚDE DA POPULAÇÃO NEGRA” NO BRASIL: O CASO DA ANEMIA FALCIFORME (1996-2004). Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz/ Fiocruz; Orientador: Prof. Dr. MARCOS CHOR MAIO, Rio de Janeiro, 2006.
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