P. Virilio: Orwell já era, vivemos o individualismo de massa
Enviado por luisnassif, qua, 16/01/2013 - 15:00
Autor: Oswaldo Conti-Bosso
Paul Virilio: Orwell já era, vivemos o individualismo de massa
Publicado em 07 de outubro de 2009
PAUL VIRILIO:
A Grande Regressão
Entrevista concedida em La Rochelle, março de 2009.
Revista RAVAGES, 6/9/2009
A partir do fim do século 20, estamos assistindo a uma regressão de volta à origem. Se consideramos o século 19, início do 20, vemos que os maduros e a maturidade dominavam, produziam valores. Foi o paternalismo dos maduros e da maturidade ou, para encurtar a conversa, tratava-se de escutar o patriarca, o Ancestral, a experiência. Em torno dos anos 60s, meados do século 20, passamos à dominação cultural pelos adolescentes, seus valores, suas ideias. A virada aconteceu em 68. A palavra contestatária dos estudantes, a revolta contra o patriarca, pôs abaixo o regime dos Antigos. A partir daí, começamos a regredir. Erigimos o mais jovem como modelo: corpos descarnados, músicas speed, o entertainment. Já nada se pode fazer sem entertainment: há palhaços nos restaurantes, animações nas lojas, jovens em todos os veículos e mídias. Depois, passamos do culto do adolescente ao culto da criança. Tudo gira em torno dela: nada de abraços, apertões ou beijinhos; a criança tem de ser respeitada como um ídolo – e assim, rapidamente, da criança regredimos ao bebê.
O limbo da origem
É uma espécie de volta à origem. A vontade de voltar para a barriga da mãe; só isso poderia explicar o inacreditável sucesso de “A origem do mundo” – quadro de Courbet, muito ruim. O sucesso do adolescentismo levou à infantilização das origens. Já há programas de televisão para crianças de 6 meses a 3 anos. Jornais de moda para as de 4 anos. O ministro da Educação na Inglaterra quer introduzir aulas de educação sexual nas escolas, para alunos de 5 anos. O bebê é o paradigma do homem. A mãe com seu bebê está em todos os eventos. É como um retorno ao estado de feto – estado infra-histórico e infrapolítico.
Mais do que tremer ante a iminência do desastre, olhá-lo de frente, estudá-lo com sangue frio: e remonta-se ao nascimento; quer-se permanecer completamente à prova de qualquer amadurecimento; longe até da juventude, fora dela, bem longe da revolta dos adolescentes. Voltou-se ao limbo da origem. O medo é tal, é tamanho, que se prefere viver na completa inconsciência (ou ignorância) de nossa inumanidade.
Sincronização dos afetos
Com essa regressão ao estágio de nascituro, entramos numa situação mais mística, mais genérica, de fato, propriamente, genésica. Hoje, a globalização e a universalização das telas de televisão favorecem a sincronização das emoções, em escala de multidões de milhões. Passamos da padronização das opiniões, que correspondia à comunidade de interesses das classes sociais, à sincronização geral dos afetos. É o mesmo que falar de uma comunidade de emoções, que desemboca num comunismo mundial de paixões. Essa sincronização facilita a fabricação, em tempo real, de uma comunidade mundial que já não é comunidade de interesses – como a dos os pobres, dos ricos, dos burgueses etc. – mas é completo fenômeno alucinatório. A sincronização atual provoca assim tsunamis de emoções, de compaixões, de pânicos.
Alucinar todos juntos
O evento de uma “comunhão dos afetos” combina muito bem com o turbo-capitalismo, sua cultura e a regressão rumo ao bebê. Porque, para alucinar todos juntos, sem qualquer distanciamento crítico, na ubiqüidade permanente das telas de televisão, é preciso que antes os públicos audientes tenham sido infantilizados – reunidos todos numa mesma geração de bebezões entusiastas. Por trás da crise mundial atual disputa-se uma nova síntese entre comunismo e capitalismo: comunismo das emoções plus capitalismo globalizado. A China de hoje é o terreno da confrontação desses dois sistemas, com o impacto econômico que conhecemos.
Monoateísmo
A regressão aos afetos uniformizados é fenômeno puramente religioso. Temos a religião da interconexão em tempo real, da comunhão global das almas; ou, dito de outro modo, da sincronização dos afetos para milhões de seres humanos. World Trade Center, morte de João Paulo II, as tsunamis, Barack Obama: todos, em todo o mundo, comungamos nesses altares. É a verdadeira parúsia[1], a vitória das forças do bem, a comunhão dos santos.
E é assim que nossa sociedade ateia e laica aciona os atributos do divino, a presença do espírito entre nós, a ubiqüidade, a instantaneidade, a simultaneidade, a clonagem. É um monoateísmo de colossal potência, para o qual os vários fundamentalistas do monoteísmo já chamaram a atenção.
Individualismo de massa
A regressão levou-nos ao individualismo de massa. Estamos em sociedade de consumo de massa, compramos todos os mesmos produtos, comungamos nos mesmos eventos, vivemos em pleno coletivismo e, ao mesmo tempo, valorizamos com brutalidade o individualismo. “É meu, meu, meu, só meu!” – berra o bebezão. Sob regime de individualismo de massa, um governo tecnologicamente bem equipado pode controlar cabeça a cabeça, rastreá-las por sistemas de scan, de codificação, arquivamento etc. A rastreabilidade permite controlar as massas cabeça por cabeça, ponto por ponto, pixel por pixel. As sociedades antigas geravam (massas), grandes grupos, mas não conseguiam controlar cabeça a cabeça; sempre houve escapados, revoltados, do underground, dissidentes. Hoje, as tecnologias da sincronização permitem controle instantâneo e permanente. Orwell é coisa superada.
[1] A palavra vem do grego parousia, que significa “presença”, “aparição”, “a chegada”. É termo teológico, que designa a volta gloriosa de Jesus no final dos tempos bíblicos, para estabelecer definitivamente o Reinado de Deus sobre a terra. O termo aparece em Mateus 21:5, no texto da Aparição: “contemplai, vosso Rei é chegado” (em http://fr.w ikipedia.org/wiki/Parousie). No dicionário Houaiss, lê-se: “Parúsia. S.f.. A segunda vinda de Jesus Cristo à Terra [Descrita esp. pelo apóstolo Paulo.]” (em http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm?verbete=par%FAsia&cod=143482&fon=1&...).
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