O xadrez da ação do MPF contra os torturadores

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A ação do Ministério Público Federal contra torturadores cria uma situação digna dos melhores momentos de Law & Order - a notável série norte-americana que passa da Universal. E é um notável exemplo de como uma corporação relevante, como a do MP, vai criando aos poucos uma cultura própria para cada tema relevante, como um corpo vivo, dinâmico, que tem diversos centros de pensamento se formando em cada poro do seu tecido.
A tentativa de punir torturadores partiu, anos atrás, de dois bravos procuradores. Ainda é pensamento minoritário dentro do MPF. Existe a Lei da Anistia, prometendo zerar o passado. Mas há também centenas de familiares de pessoas que foram presas, torturadas e tiveram seus corpos desaparecidos. E a convicção de que certas práticas - como a tortura - são crimes contra a humanidade e, portanto, imprescritíveis.
Capítulo relevante nessa luta foi a organização da Corte Interamericana, legislando sobre direitos humanos. A partir da sua constituição, os dois procuradores - por quem tenho profunda admiração - julgaram poder lançar o tema e rebater os pontos centrais da Lei da Anistia. Não são ideológicos, não têm militância partidária, empunharam a bandeira por considerar ser seu dever de procurador.
A tese desenvolvida tomou por base decisões da Corte convalidadas pelo STF: se um corpo está desaparecido, configura-se crime de sequestro - e, portanto, de continuidade do crime. Se o crime continua, não pode ser amparado pela Lei da Anistia.
A tese prosperou, mas ainda de forma não hegemônica no MPF.
Aí surgem novos procuradores, uma rapaziada comprometida com seu trabalho, sem o acomodamento que acomete alguns dos seus. Um deles pega a semente plantada pelos antecessores, vai estudar na Espanha e defende tese de mestrado sobre a questão dos desaparecidos nas guerras ideológicas dos anos 70. Outros juntam-se ao grupo e forma-se uma armada disposta a levar adiante a bandeira.
Com a abertura da ação, chega-se à questão central:
1. Se a tese prosperar, o infame Ustra e outros torturadores responderão a ações por sequestro. Enquanto não for comprovado o assassinato, o caso continua sendo de sequestro.
2. Para se safar, teriam que confessar o assassinato. Mas aí os procuradores invocarão um princípio jurídico que impede a aceitação pura e simples da confissão, sem o aparecimento de provas comprobatórias.
3. Se as provas aparecerem, é até possível que os torturadores não sejam punidos. Mas se atingirá o objetivo final, que é permitir às famílias o sagrado direito de enterrar seus mortos; e ao país, o sagrado direito de conhecer sua história.