sábado, 29 de setembro de 2012



Evolução da Taxa de Juros Real de Equilíbrio no Brasil
Enviado por luisnassif, sab, 29/09/2012 - 08:13
Por Roberto São Paulo-SP 2012

Do site do Banco Central do Brasil

A taxa de juros de equilíbrio pode ser definida como aquela consistente, no médio prazo, com inflação estável e com crescimento do produto igual ao crescimento potencial (Blinder, 1998). Nesse sentido, quando a taxa de juros real efetiva está acima do nível de equilíbrio, a política monetária é contracionista, reduz a demanda agregada e a inflação; e vice-versa(1) . Portanto, a taxa de juros de equilíbrio é um dos conceitos mais relevantes para o processo de formulação e de implementação da política monetária.

Haja vista a importância do tema para a condução da política monetária, o objetivo deste boxe é revisitar a análise sobre a taxa de juros real de equilíbrio apresentada no boxe “Taxa de Juros Real de Equilíbrio”, do Relatório de Inflação de setembro de 2010. O boxe anterior apresentou breve discussão sobre o assunto, bem como estimativas de taxas de equilíbrio para algumas economias maduras e emergentes. Por sua vez, este boxe foca no caso brasileiro e, nesse sentido, apresenta evidências sobre mudanças da taxa neutra no passado recente e, em adição, discute mudanças estruturais que contribuíram para esse processo.



A evidência sugere que as taxas de juros reais no Brasil têm convergindo para patamares mais próximos aos observados em economias com nível similar de desenvolvimento – Gráfico 1. As taxas reais efetivas flutuam em torno da tendência, reflexo tanto de fatores estruturais quanto de conjunturais.


É plausível supor que as taxas reais efetivas flutuem mais rapidamente com as condições de mercado do que a taxa real neutra.

No que se refere à taxa neutra, as evidências também apontam redução significativa nos últimos anos. As estimações apresentadas no boxe de setembro de 2010 já sugeriam que esse processo estava em curso. Por ser variável não observável cuja estimação está sujeita a incertezas, a literatura recorre a vários métodos para estimar a taxa de equilíbrio(2). À vista disso, consideraram-se os seguintes métodos:
(i) estimação por filtro de Kalman de uma função de reação à la Taylor, na qual o comportamento do Banco Central é forward-looking ;
(ii) estimação recursiva via modelo estrutural de pequeno porte;
e (iii) estimação por filtro de Kalman ao estilo de Laubach e William  (2003), incorporando mais estrutura econômica ao modelo.

Importante destacar que, no caso dos métodos (ii) e (iii), a taxa de equilíbrio resulta das próprias condições de equilíbrio do sistema.
Os métodos (i) e (ii) foram apresentados no boxe do Relatório de setembro de 2010, de modo que apenas o último será descrito neste boxe, conforme abaixo......
.....Nos três métodos são utilizados dados trimestrais de 1999:2 a 2012:2 e, em todos, os resultados sugerem recuo da taxa de juros de equilíbrio no Brasil ao longo dos últimos dez anos.

Importa destacar que a trajetória declinante para a taxa neutra apontada pelos modelos estruturais acima estão em linha com a tendência de declínio das demais estimativas e surveys, como a seguir:
(i) o método de extração de tendência por meio do filtro estatístico Hodrick-Prescott (HP) sugere uma redução de 350 pontos base (p.b.), entre o primeiro semestre de 2008 e o primeiro semestre de 2012;
(ii) a redução obtida a partir das taxas reais implícitas nos preços dos títulos públicos indexados ao IPCA (Nota do Tesouro Nacional – Série B) com vencimento em cinco anos alcança 330 p.b., na mesma base de comparação;
(iii) o retorno dos títulos soberanos com prazo de dez anos, negociados nos mercados internacionais, passou de patamares ao redor de 5% a 6% a.a. antes da crise de 2008/2009 para cerca de metade desse valor atualmente;
e (iv) a percepção de analistas do setor privado foi evidenciada em consulta recente conduzida pelo Banco Central.

Do ponto de vista teórico, a taxa de juros de equilíbrio é determinada pelos fundamentos da economia. Por exemplo, no modelo de Ramsey, a taxa de equilíbrio depende da taxa de desconto intertemporal dos indivíduos e do crescimento da produtividade. Nos modelos novo-keynesianos, a taxa neutra depende essencialmente da taxa de desconto intertemporal (que afeta as condições de poupança), do crescimento da produtividade e, entre outros, da flexibilidade no mercado de trabalho (ver Galí, 2003; Bernhardsen e Gerdrup, 2007 e Woodford, 2003). A propósito, Archibald e Hunter (1999) resumem de maneira esquemática os fatores que determinam a taxa de juros observada da seguinte forma (Figura 1):
i) Taxa de juros de equilíbrio, que é determinada por fundamentos que afetam as decisões de poupança e de investimento dos agentes econômicos; pelo prêmio de risco do país e pela existência de entraves aos fluxos de capitais internacionais;
ii) Fatores cíclicos, relacionados à postura da política monetária; e
iii) Inflação esperada.


Alguns fatores de natureza estrutural ajudam a explicar o processo de redução nas taxas de juros (de equilíbrio e efetivas) no Brasil nos últimos anos.
Nesse sentido, ao longo dos últimos anos houve avanços importantes em várias dimensões, que, segundo a literatura, levariam a mudanças na taxa de juros de equilíbrio. A lista a seguir, não exaustiva, apresenta algumas dessas mudanças estruturais:
1) Prêmios de risco – incertezas relacionadas à inflação e à credibilidade da moeda, que se refletem nos prêmios de risco, que, por sua vez, são um componente das taxas de juros, podem elevar o custo dos empréstimos. A manutenção da estabilidade macroeconômica de modo geral, e da estabilidade de preços, em particular, portanto, é condição necessária para que os mercados financeiros aloquem recursos de forma eficiente ao longo do tempo, aumentando assim o potencial de crescimento da economia, com impactos sobre a taxa de juros de equilíbrio. Dessa forma, é plausível afirmar que a estabilização da economia brasileira e a consolidação do regime de metas para a inflação – com cumprimento das metas estabelecidas por oito anos consecutivos – levaram a redução significativa das incertezas macroeconômicas e, por conseguinte, do prêmio de risco. Nesse sentido, note-se que importantes agências de classificação de risco concederam ao Brasil grau de investimento em anos
recentes. A propósito, a literatura sugere que a obtenção do grau de investimento reduz o custo de captação de recursos, nos mercados internacionais, além do que seria implicado pelos fundamentos macroeconômicos do país (ver Jaramillo e Tejada, 2011). Note-se, ainda, que o índice Embi+ Brasil, que em 2002 atingiu patamar acima dos 2000 p.b., encontra-se atualmente por volta dos 200 p.b.;

2) Fluxo de capitais – a consolidação da estabilidade macroeconômica e a redução dos prêmios de risco renderam ao Brasil acesso aos mercados de capitais internacionais a custos menores. Mais recentemente, esse processo foi intensificado, mesmo controlando pelo aumento da liquidez internacional. Por exemplo, em 2011 o ingresso líquido de investimentos estrangeiros diretos no Brasil atingiu o valor recorde de US$66,7 bilhões;

3) Mudanças fiscais – a dívida pública pode ter impacto significativo sobre a taxa de juros de equilíbrio. No Brasil, nessa área destaca-se a consolidação do regime fiscal, com adoção de metas para superavit primário e a Lei de Responsabilidade Fiscal, sancionada em maio de 2000. Essas mudanças foram determinantes para a redução da dívida pública em proporção do Produto Interno Bruto (PIB). A dívida líquida do setor público consolidado, que em 2002 ultrapassou o patamar de 60% do PIB, foi reduzida recentemente para níveis próximos a 35% do PIB. Ao mesmo tempo, houve mudança substancial no perfil da dívida pública, no sentido de reduzir os riscos para o Tesouro Nacional;

4) Poupança – a taxa de poupança bruta doméstica como proporção do PIB tem se mantido razoavelmente constante ao longo do período recente, tendo alcançado 17,2% em 2011, segundo dados das Contas Nacionais Trimestrais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Todavia, a trajetória decrescente da dívida pública, potencializada pela redução dos custos de financiamento, gera condições para que recursos adicionais sejam direcionados para investimento;

5) Estrutura dos mercados financeiros – melhorias na estrutura dos mercados financeiros e de crédito podem aumentar a eficiência na alocação de recursos disponíveis na economia, diminuindo a taxa de juros de equilíbrio. Transformações importantes ocorreram na estrutura dos mercados financeiros em geral no Brasil nos últimos anos.
Destaca-se, em particular, o aumento da participação do crédito no PIB, que passou de aproximadamente 25% no início de 2001, para cerca de 50% em junho de 2012. Destaca-se, ainda, o processo de redução dos spreads bancários em andamento e a aprovação de Lei que cria o cadastro positivo de crédito de clientes (Lei no 12.414, de 9 de junho de 2011);

6) Mudanças institucionais – Arida, Bacha e Lara-Resende (2004) argumentam em favor de um conjunto de fatores, definido, de forma geral, como “incerteza jurisdicional”, para explicar os níveis de taxa de juros no Brasil. Como exemplo de mudanças nesse campo, destaca-se a aprovação da “nova Lei de falências” (Lei no 11.101, de 9 de fevereiro de 2005) e a introdução da Alienação Fiduciária de Imóveis no Novo Código Civil. Não menos importante é o amadurecimento das instituições e a consolidação da democracia, que contribuíram para reduzir de forma significativa o risco político à la Gersovitz;

e 7) Cenário externo – mudanças mais duradouras nas condições de demanda também afetam a taxa de equilíbrio. Em particular, em uma economia aberta, a taxa de juros de equilíbrio é afetada pela expectativa de crescimento da economia mundial(4).
Estimativas dos modelos estruturais aqui apresentados indicam que a queda na atividade econômica mundial, a partir da crise de 2008/2009, também contribuiu para reduzir a taxa de juros neutra doméstica.

Em suma, estimativas da taxa de juros de equilíbrio são fundamentais para a formulação e para a operacionalização da política monetária. Como se trata de variável não observável e com elevado grau de incerteza na sua estimação, é de se esperar a obtenção de diferentes estimativas pontuais, em função do modelo empregado, da técnica de estimação adotada e da amostra utilizada. Entretanto, apesar da incerteza na estimação, as evidências apresentadas neste boxe suportam a visão de que tem havido redução relevante na taxa de juros de equilíbrio no Brasil em anos recentes.

1/ Apesar da sutil distinção teórica, neste boxe os termos “taxa de equilíbrio”, “taxa natural” e “taxa neutra” são utilizados indistintamente.
2/ Uma discussão sobre os diversos métodos de estimação foi apresentada no boxe de setembro de 2010, já citado.
4/ O modelo de Galí e Monacelli (2005), obtido a partir de micro-fundamentos, formaliza o impacto de fatores globais na taxa de juros de
equilíbrio.

Referências
Archibald, J. e L. Hunter (2001), “What Is the
Neutral Real Interest Rate and How Can We Use it?”,
Reserve Bank of New Zealand, Bulletin 64(3), 15-28.
Arida, P., E. Bacha e A. Lara-Resende
(2005), “Credit, Interest and Jurisdictional
Uncertainty: Conjectures on the Case of Brazil”, in
Inflation Targeting, Debt and the Brazilian
Experience, 1999 to 2003, editado por Giavazzi, F.,
I. Goldfajn e S. Herrera, MIT Press.
Bernhardsen, T e K. Gerdrup (2007), “The
Neutral Real Interest Rate”, Economic Bulletin,
Norges Bank, vol. 78: 52-64.
Blinder, A. (1998). Central Banking in
Theory and Practice, Cambridge: The MIT Press.
Gali, J. (2003), “New Perspectives on
Monetary Policy, In.ation, and the Business Cycle”,
in Advances in Economic Theory, edited by M.
Dewatripont, L. Hansen, and S. Turnovsky, vol. III,
151-197, Cambridge University Press.
Gali, J. e T. Monacelli (2005), “Monetary
Policy and Exchange Rate Volatility in a Small Open
Economy”, The Review of Economic Studies 72(3),
707-734.
Jaramillo, L. e Tejada, C. (2011), “Sovereign
Credit Ratings and Spreads in Emerging Markets:
Does Investment Grade Matter?”, IMF Working
Paper no. 11/44.
Laubach, T. e J. Willians (2003), “Measuring
the Natural Rate of Interest”, The Review of
Economics and Statistics, vol. 85(4), 1063-1070.
Woodford, M. (2003), Interest & Prices:
Foundations of a Theory of Monetary Policy,
Princeton University Press

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