Os dois ângulos do julgamento do mensalão
Enviado por luisnassif, sex, 28/09/2012 - 10:38
Autor: Luis Nassif
Vamos entender melhor os desdobramentos do julgamento do "mensalão" e a nova jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) em matéria penal.
Há dois aspectos distintos no julgamento, mas que foram misturados devido, principalmente, ao comportamento do Procurador Geral da República Roberto Gurgel e do relator do processo MInistro Joaquim Barbosa.
Um aspecto relevante é o de que, finalmente, o STF passou a firmar jurisprudência em matéria penal. Existe a doutrina - expressa nos códigos - e a jurisprudência - a interpretação da doutrina, firmada nos julgamentos, que balizam as sentenças de todo o judiciário.
Até então, em matéria penal a jurisprudência era fixada por grandes advogados criminalistas e por professores da matéria. O STF limitava-se a formar jurisprudência apenas na parte processual. Esse modelo permitiu uma ampla impunidade, especialmente nos crimes de colarinho branco. Está aí Gilmar Mendes no caso Opportunity, para comprovar.
O trabalho de Gurgel foi fruto de estudos de uma ampla equipe do MInistério Público Federal, que tinha por intenção embasar o julgamento permitindo ao STF - que não dispõe de especialistas em direito penal - fixar jurisprudência sobre uma área até então monopolizada por interesses privados.
Tipos penais, como conduta criminosa, lavagem de dinheiro, crimes de antecedentes, estão sendo analisados e, daqui por diante, o entendimento do STF deverá embasar todos os julgamentos das demais instâncias do poder judiciário. Daí se entendendo a grita dos advogados criminalistas. E daí não se entender o mutismo do MPF, em se abrir ao debate e expor suas teses.
Aí entram os fatores Gurgel e Barbosa.
Uma série de atitudes prévias de Gurgel contaminaram politicamente o julgamento. Por exemplo:
A diferença de tratamento em relação ao mensalão mineiro. O crime ocorreu antes e não foi julgado. Permitiu-se o desmembramento do processo, retirando os réus sem foro privilegiado. Qual a razão para essa diferença?
Não houve explicações adequadas para o tratamento dado às denúncias envolvendo Demóstenes Torres.
Gurgel envolveu-se emocionalmente no caso, deixando o decoro de lado, promovendo cartilhas infantis para divulgar o mensalão e passando a atacar o PT e os réus pela imprensa. Com isso explicitou uma má vontade não condizente com o cargo e radicalmente contrária ao que a opinião pública entendeu sobre o tratamento dado a crimes similares.
De seu lado, as ironias de Joaquim Barbosa, a arrogância inicial de muitos outros Ministros, contribuiram para criar o clima de julgamento de exceção, levando personalidades públicas a duvidar da isenção do STF. A postura de diversos ministros denotava um clima de confronto não apenas com o Executivo mas com o Legislativo, uma demonização da política, um clima de prendo-e-arrebento que não poupava sequer bagrinhos.
A luz sobre o julgamento produziu, ao menos, mudanças de posturas. Ontem, viam-se Ministros preocupados em explicar-se - mesmo mantendo a severidade no julgamento -, em legitimar sua posição perante a opinião pública. Até Luiz Fux parece ter acordado e se debruçado sobre o caso, ao invés das declarações genéricas iniciais, de quem parecia não ter estudado a matéria. Em alguns casos rompeu-se a unanimidade nas condenações, unanimidade típica de tribunais de exceção.
Coube a Carmen Lúcia o melhor momento do julgamento de ontem, ao explicitar a defesa da política e jogar encobrir o estrelismo de colegas com o manto do bom senso.
Com as luzes clareando melhor o julgamento, Gurgel e o MPF ainda deve à opinião pública o mínimo: a participação no debate, a defesa das teses legítimas que desenvolvem e as explicações para o que parece falta de isonomia em relação a casos similares.
Enviado por luisnassif, sex, 28/09/2012 - 10:38
Autor: Luis Nassif
Vamos entender melhor os desdobramentos do julgamento do "mensalão" e a nova jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) em matéria penal.
Há dois aspectos distintos no julgamento, mas que foram misturados devido, principalmente, ao comportamento do Procurador Geral da República Roberto Gurgel e do relator do processo MInistro Joaquim Barbosa.
Um aspecto relevante é o de que, finalmente, o STF passou a firmar jurisprudência em matéria penal. Existe a doutrina - expressa nos códigos - e a jurisprudência - a interpretação da doutrina, firmada nos julgamentos, que balizam as sentenças de todo o judiciário.
Até então, em matéria penal a jurisprudência era fixada por grandes advogados criminalistas e por professores da matéria. O STF limitava-se a formar jurisprudência apenas na parte processual. Esse modelo permitiu uma ampla impunidade, especialmente nos crimes de colarinho branco. Está aí Gilmar Mendes no caso Opportunity, para comprovar.
O trabalho de Gurgel foi fruto de estudos de uma ampla equipe do MInistério Público Federal, que tinha por intenção embasar o julgamento permitindo ao STF - que não dispõe de especialistas em direito penal - fixar jurisprudência sobre uma área até então monopolizada por interesses privados.
Tipos penais, como conduta criminosa, lavagem de dinheiro, crimes de antecedentes, estão sendo analisados e, daqui por diante, o entendimento do STF deverá embasar todos os julgamentos das demais instâncias do poder judiciário. Daí se entendendo a grita dos advogados criminalistas. E daí não se entender o mutismo do MPF, em se abrir ao debate e expor suas teses.
Aí entram os fatores Gurgel e Barbosa.
Uma série de atitudes prévias de Gurgel contaminaram politicamente o julgamento. Por exemplo:
A diferença de tratamento em relação ao mensalão mineiro. O crime ocorreu antes e não foi julgado. Permitiu-se o desmembramento do processo, retirando os réus sem foro privilegiado. Qual a razão para essa diferença?
Não houve explicações adequadas para o tratamento dado às denúncias envolvendo Demóstenes Torres.
Gurgel envolveu-se emocionalmente no caso, deixando o decoro de lado, promovendo cartilhas infantis para divulgar o mensalão e passando a atacar o PT e os réus pela imprensa. Com isso explicitou uma má vontade não condizente com o cargo e radicalmente contrária ao que a opinião pública entendeu sobre o tratamento dado a crimes similares.
De seu lado, as ironias de Joaquim Barbosa, a arrogância inicial de muitos outros Ministros, contribuiram para criar o clima de julgamento de exceção, levando personalidades públicas a duvidar da isenção do STF. A postura de diversos ministros denotava um clima de confronto não apenas com o Executivo mas com o Legislativo, uma demonização da política, um clima de prendo-e-arrebento que não poupava sequer bagrinhos.
A luz sobre o julgamento produziu, ao menos, mudanças de posturas. Ontem, viam-se Ministros preocupados em explicar-se - mesmo mantendo a severidade no julgamento -, em legitimar sua posição perante a opinião pública. Até Luiz Fux parece ter acordado e se debruçado sobre o caso, ao invés das declarações genéricas iniciais, de quem parecia não ter estudado a matéria. Em alguns casos rompeu-se a unanimidade nas condenações, unanimidade típica de tribunais de exceção.
Coube a Carmen Lúcia o melhor momento do julgamento de ontem, ao explicitar a defesa da política e jogar encobrir o estrelismo de colegas com o manto do bom senso.
Com as luzes clareando melhor o julgamento, Gurgel e o MPF ainda deve à opinião pública o mínimo: a participação no debate, a defesa das teses legítimas que desenvolvem e as explicações para o que parece falta de isonomia em relação a casos similares.
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