terça-feira, 2 de abril de 2013


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A relação entre as edificações e o espaço público
 Enviado por luisnassif, ter, 02/04/2013 - 10:46



Por IgorEliezer

Do Urbanidades

Condições para a Vitalidade Urbana #3 – Características da relação edificação x espaço público

(continuação de http://advivo.com.br/blog/luisnassif/vitalidade-urbana-proximidades-e-di...)

Renato Saboya

Este post faz parte de uma série sobre as condições para a Vitalidade Urbana. Leia também os outros posts:
 •Condições para a vitalidade Urbana #1 – densidade
 •Condições para a Vitalidade Urbana #2 – Proximidades e distâncias na malha de ruas

Como terceiro fator a contribuir para a vitalidade dos espaços urbanos, destacamos as características das edificações, especialmente no que diz respeito às suas relações com os espaços abertos. Como veremos, a maneira como as edificações estão posicionadas e a forma como configuram seus sistemas de barreiras e permeabilidades em relação às ruas podem influenciar diretamente na quantidade de pessoas que utilizam o espaço público e de atividades que ali se desenvolvem.

Permeabilidade público x privado

Holanda (2002) trata da questão da permeabilidade física entre a edificação e o espaço público ao atribuir ao Paradigma da Urbanidade características como maior número de portas por espaços convexos e menor percentual de espaços cegos (HOLANDA, 2002, p. 126). O Paradigma de Urbanidade (definido por Holanda em contraposição ao Paradigma da Formalidade), no que diz respeito aos arranjos sociais relaciona-se ao uso dos espaços públicos e portanto tem relação com a ideia de vitalidade. Holanda, portanto, dá a entender que essas variáveis costumam ocorrer concomitantemente (maior densidade de portas e menir percentual de espaços cegos, pelo lado das características morfológicas, e maior uso dos espaços públicos, pelo lado dos arranjos sociais).

A mesma recomendação é feita por Bentley et al (1985, p. 13):

Permeabilidade física entre espaços públicos e privados ocorre nas entradas para os edifícios ou jardins. Isso enriquece o espaço público através do aumento do nível de atividade em suas bordas.

Mais adiante, Bentley et al (1985, p. 69) acrescentam:

Para aumentar a robustez, a interface entre edifícios e espaço público deve ser projetada para viabilizar que uma gama de atividades privadas internas coexistam em intensa proximidade física com a gama de atividades públicas no exterior.







Proximidade e interação entre as atividades no interior e exterior das edificações. Fonte: Bentley et al (1985, p. 69)

Portas devem ser abundantes e promover a proximidade entre interior e exterior, em todo o perímetro da quadra.

Uma quantidade apropriada de portas pode auxiliar na promoção da vitalidade urbana conectando a rua com atividades comerciais e de serviços, promovendo assim as atividades que lhes são inerentes, tais como a pesquisa de preços, o olhar de vitrines e o entra-e-sai para comprar ou obter mais informações sobre os produtos. No caso dos shopping-centers essa vitalidade é interiorizada: as ligações dos espaços edificados com a rua são minimizadas, e toda essa movimentação é retirada dos espaços públicos, juntamente com a possibilidade (ainda que nem sempre exercida) de interação social entre pessoas de perfis socioeconômicos mais variados do que aquelas que frequentam os shoppings.

Carlos Nelson também reforça esse argumento para o caso de atividades residenciais:

Diríamos que, quanto mais portas se abrem para a calçada, tanto mais completamente o espaço público é passível de apropriação pela casa. (SANTOS; VOGEL, 1985, p. 54).

“Apropriação pela casa”, nesse caso, significa utilizar o espaço da rua, seja para atividades de lazer, contemplação, deslocamentos ou mesmo para estabelecer relações sociais. A mesma lógica pode ser estendida para edifícios residenciais. Na Figura abaixo Bentley et al (1985) mostram os contrastes de duas organizações, nas quais a primeira intensifica a conexão com a rua, enquanto a segundo concentra os acessos em apenas um ponto, não apenas distante da rua como também localizado em apenas uma das faces do quarteirão. As outras três faces possuem fachadas sem permeabilidade física, prejudicando a possibilidade de vitalidade.







Diferença no arranjo de portas voltadas ao espaço da rua: muitas edificações abrindo-se diretamente para a rua (à esq.); concentração de entradas para várias unidades em apenas um ponto, com pouca relação com a rua (à dir.). (BENTLEY et al, 1985, p. 13)

Por fim, Gehl (2011) oferece o mesmo conselho:

É importante que seja fácil entrar e sair das habitações. Se a passagem entre interior e exterior é difícil – se é necessário, por exemplo, usar escadas e elevadores para entrar e sair – o número de visitas ao exterios cair notavelmente (GEHL, 2011, p. 184).

Dimensões da forma edificada

Gehl (2011) defende a adoção de fachadas curtas como forma de intensificar as possibilidades de interação da rua com a edificação e diminuir as distâncias a serem percorridas pelos pedestres:

Sabendo que pedestres geralmente não desejam caminhar muito, os projetistas de lojas comerciais usam fachadas estreitas, de modo que haja espaço para a maior quantidade possível de lojas na menor distância possível na rua. (GEHL, 2011, p. 95)

Fachadas estreitas são um recurso para aproveitar melhor a frente dos lotes e diminuir distâncias.

Segundo ele, algumas cidades vêm proibindo a instalação de atividades que ocupem muito espaço de fachada sem a correspondente densidade de portas e interação com a rua, tais como postos de gasolina e até mesmo bancos e edifícios de escritórios. Esses equipamentos precisam ser posicionados nos andares superiores ou, no caso de ficarem no térreo, limitarem fortemente o tamanho de suas fachadas. Assim, seria possível concentrar o acesso em uma pequena largura (o exemplo dado por Gehl cita 5m como tamanho máximo) e utilizar o resto da interface para outras atividades com acesso direto pela rua, ao invés de criar longos perímetros sem permeabilidade.

Essas bordas sem portas constituem “espaços vazios” que são prejudiciais à vitalidade:

Usando o princípio de lotes estreitos [na largura] e profundos [no comprimento] juntamente com um uso cuidadoso do espaço frontal evita o problema de “buracos” e “áreas residuais” sempre que os edifícios se voltam para calçadas e rotas de pedestres. Isso também vale para áreas residenciais. (GEHL, 2011, p. 95)

O mesmo princípio pode ser estendido aos afastamentos laterais entre as edificações, que reduzem a proporção da quantidade de metros lineares de fachada (e portanto o espaço para atividades em interação com a rua) em relação ao comprimento total do quarteirão. Essa configuração desperdiça o potencial que a interface entre os lotes privados e a rua possui em termos de estímulo ao movimento de pessoas, ao mesmo tempo em que aumenta as distâncias a serem percorridas e diminui a densidade de atrativos. Alexander et al (1987, p. 67-71) reforça a necessidade de que as fachadas sejam contínuas:

“Os edifícios envolvem o espaço”, e NÃO “o espaço envolve os edifícios”. [...] Se possível, o edifício deve tocar ao menos um outro edifício existente, de forma que os edifícios em conjunto formem um tecido contínuo atavés da cidade.

Gehl (2011) defende também a adoção de edifícios mais horizontais, baseado no fato de o campo de visão humano ser limitado no que diz respeito a elementos situados em posições altas. Temos, segundo ele, um campo de visão voltado à frente e abaixo que nos permite visualizar a apreender com mais facilidade o espaço contido nesses limites. Por isso, a configuração mais “natural” de um espaço urbano é aquela constituída por edificações baixas, ao longo de uma rua, já que estão mais em harmonia com nossos sentidos.

Um ponto semelhante é levantado por Alexander et al (1977), baseando-se em estudo de Fanning (1967 apud Alexander et al, 1977). Segundo ele, as distâncias enfrentadas pelos moradores e a “fricção” causada por corredores, elevadores, portarias, afastamentos e portões nos deslocamentos até a rua desestimulavam significativamente o desenvolvimento de atividades nos espaços abertos.

[...] viver em edifícios verticais afasta as pessoas do solo, assim como da sociedade casual e cotidiana que acontece nas calçadas e ruas e nos jardins e nos alpendres. Deixa-os sozinhos em seus apartamento. A decisão de sair para algum tipo de vida pública torna-se formal e desajeitado; e a não ser que haja alguma tarefa específica que traga a pessoa para fora, a tendência é ficar em casa, sozinho. (ALEXANDER et al, 1977, p. 116)

O que vemos por aí?

Preocupantemente, cada vez mais observamos em nossas cidades tipos arquitetônicos que são o oposto do que a literatura tem nos apontado como geradores de vitalidade. As imagens falam por si.

















Referências

ALEXANDER, C.; ISHIKAWA, S.; SILVERSTEIN, M. A pattern language. New York: Oxford University Press, 1977.

ALEXANDER, C.; NEIS, H.; ANNINOU, A.; KING, I. F. A New theory of urban design. New York: Oxford University Press, 1987.

BENTLEY, I.; ALCOCK, A.; MURRAIN, P.; MCGLYNN, S.; SMITH, G. Responsive environments: a manual for designers. London: Architectural Press, 1985.

GEHL, J. Life between buildings: using public space. Washington, DC: Island Press, 2011.

HOLANDA, F. R. B. DE. O espaço de exceção. Brasília, DF: Editora UnB, 2002.

SANTOS, C. N.; VOGEL, A. Quando a rua vira casa. São Paulo: Projeto, 1985.

(Esta obra está licenciada sob a Licença Creative Commons

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