Índia corteja a América Latina

Por Assis Ribeiro

Da Carta Capital

América Latina e Índia estreitam relações

Contra um pano de fundo de crescimento das relações de comércio e investimentos entre a América Latina e a Ásia, a Índia está adotando uma postura mais ativa. A América Latina é cada vez mais considerada um mercado dinâmico (com padrões semelhantes de demanda por bens e serviços no segmento de baixa e média renda) e um importante fornecedor de recursos naturais para garantir a segurança energética e alimentar do subcontinente indiano.
Uma das tendências mais interessantes da última década tem sido a emergência da Ásia como um dos principais parceiros comerciais e de investimentos da América Latina. Segundo dados do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a Ásia respondeu por 21% do comércio exterior latino-americano total em 2011, atrás dos Estados Unidos (34%), mas à frente da União Europeia (13%). Dentro da Ásia, a China, o Japão e a Coreia do Sul estiveram na vanguarda da expansão comercial e empresarial da América Latina. A China, em particular, esteve muito ativa nessa frente, impelida por sua fome de matérias-primas. O país tornou-se o principal parceiro comercial do Brasil e do Chile, assim como uma das principais fontes de financiamento e investimento direto estrangeiro (IDE) na região.
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Enquanto a América Latina claramente se beneficiou da expansão do relacionamento com a China na última década, pois ele impulsionou os índices de crescimento regionais, o relacionamento mostrou-se bastante unilateral. O padrão até agora foi a China importar matérias-primas (que constituem 90% das importações totais do país da América Latina) e exportar bens manufaturados, ameaçando os setores manufatureiros da América Latina ao competir com sucesso no mercado interno, assim como nos mercados de exportações tradicionais da América Latina para bens manufaturados.
Comércio e investimento crescem, mas continuam abaixo do potencial
O outro gigante asiático, a Índia, até agora adotou uma abordagem menos agressiva com respeito à América Latina. O comércio bilateral aumentou significativamente, de US$ 2 bilhões em 2002 para US$ 25 bilhões em 2011, mas equivale a apenas 10% do comércio China- América Latina e representa menos de 1% do comércio exterior total da América Latina. Apesar de complementaridades óbvias, há obstáculos para um relacionamento comercial mais estreito, incluindo barreiras alfandegárias elevadas, especialmente do lado da Índia (a tarifa média sobre exportações agrícolas latino-americanas é de 65%, comparada com 12,5% na China, segundo o BID), e altos custos de transporte e logística, dadas as carências de infraestrutura de ambos os lados.
Em termos de IDE, o investimento indiano na América Latina aumentou quatro vezes na última década, de menos de 1% do influxo total nos anos 1990 para uma média de 4% em 2002-06. Ele se concentra em recursos naturais, serviços de tecnologia da informação (TI) e setor automotivo. O Brasil e, em menor medida, a Argentina foram os maiores beneficiários do IDE indiano na região.
Vontade política se intensifica
O relacionamento entre a Índia e a América Latina até agora foi conduzido principalmente pelo setor de negócios (com multinacionais indianas como Tata Consulting Services, Infosys, Sasken e Genpact na liderança). No entanto, o crescente potencial econômico da América Latina (reforçado pela descoberta de novas reservas de hidrocarbonetos e gás) e um ambiente empresarial melhor, juntamente com o crescente perfil internacional da região, cada vez mais a colocaram na agenda política da Índia, levando à criação de uma estratégia de contato mais estruturada.
Com base na assinatura de acordos de comércio preferenciais com o Mercosul (a união alfandegária do Cone Sul) e o Chile, as autoridades indianas intensificaram as iniciativas oficiais para estabelecer relações mais estreitas com o continente. Neste ano verificou-se um número crescente de interações de alto nível entre líderes políticos indianos e seus homólogos latino-americanos (a presidente do Brasil e o primeiro-ministro de Trinidad e Tobago visitaram a Índia, enquanto o primeiro-ministro indiano, Manmohan Singh, visitou o México para a cúpula do G-20 e o Brasil para a cúpula Rio+20).
Além disso, em agosto a Índia vai abrigar o primeiro “diálogo” com ministros de Relações Exteriores de países latino-americanos, com o objetivo de estabelecer um fórum semelhante ao criado com a África, como meio de se envolver de forma mais ativa na região. O primeiro “diálogo” deverá ocorrer em Nova Déli e incluirá o ministro das Relações Exteriores da Índia, assim como ministros do Chile, Cuba e Venezuela. As declarações oficiais indicam o interesse da Índia em forjar uma parceria que abrange uma ampla série de temas com uma região que abriga quase 600 milhões de pessoas, rica em recursos e com uma localização estratégica, próxima aos mercados norte-americanos. A América Latina representa um mercado dinâmico mas ainda não explorado pela Índia, e poderá ter um papel central para garantir a segurança energética da Índia. O subcontinente atualmente conta com os países do Golfo para suas necessidades de combustível fóssil, um fornecedor muito mais volátil.
Um seminário de alto nível organizado pela Confederação da Indústria Indiana (CII) em 17 de julho, sobre a Índia e a América Latina, do qual participaram representantes diplomáticos de nove países latino-americanos, foi mais um sinal do crescente interesse indiano por reforçar os laços bilaterais. O evento indicou as importantes complementaridades entre o subcontinente e a América Latina e a crescente vontade política de superar desafios como os altos custos do comércio e do transporte.
Desafios
Se a maior vontade política de promover uma parceria Índia- América Latina é um passo promissor na direção certa, a América Latina enfrentará o desafio de garantir que o relacionamento seja benéfico, reforçando suas perspectivas de crescimento em médio prazo. Em particular, embora a força da Índia esteja nos serviços, há um risco de maior concorrência pelo setor manufatureiro na América Latina (especialmente considerando os custos de mão-de-obra muito inferiores na Índia) e o desenvolvimento de uma relação assimétrica muito parecida com a que tem com a China.
Para evitar isso, a América Latina terá de fazer mais para promover a competitividade de suas próprias indústrias, abordando antigas deficiências de infraestrutura, treinamento e educação, acesso ao crédito e pesquisa e desenvolvimento. Isso também poderá ser feito ao se garantir que o IDE na América Latina tenha uma repercussão significativa na economia interna em termos de transferência de conhecimento, tecnologia e capacidades administrativas; criando iniciativas empresariais para promover o comércio intraindustrial com a Índia; e na cooperação em inovação e desenvolvimento de capital.