segunda-feira, 3 de setembro de 2012


Análise do crescimento do emprego entre 2000 e 2008

Por Roberto São Paulo-SP 2012
Ao longo da última década, a economia brasileira passou por importantes mudanças, com destaque para o aumento do mercado doméstico, resultante de uma significativa redistribuição de renda e aumento do crédito.Além disso, ocorreu maior formalização do trabalho, em todos os setores, e forte acréscimo do nível médio educacional na população brasileira
Do BNDES
Visão do Desenvolvimento é uma publicação da área de Pesquisas Econômicas (APE), do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. As opiniões deste informe são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente o pensamento da administração do BNDES.
Por André Albuquerque Sant’Anna e Antônio Marcos Pinto Ambrozio Economistas da APE
Expansão ocorreu em paralelo ao aumento de produtividade, renda e formalização.
Entre 2000 e 2008, foram gerados 14,4 milhões de empregos na economia brasileira(1), de acordo com dados das Contas Nacionais, publicados pelo IBGE. Essa cifra representa uma taxa de crescimento média da ocupação de 2,4% a.a. ao longo do período. Esse movimento de geração de emprego teve como contrapartida a redução sustentada da taxa de desemprego na última década.
Este Visão do Desenvolvimento tem por objetivo analisar os principais determinantes da variação do emprego entre 2000 e 2008. Para tal, será utilizada técnica de decomposição estrutural, com base nos dados das Tabelas de Recursos e Usos do IBGE. Por meio dessa análise, é possível desagregar a variação do pessoal ocupado em decorrência de mudanças nos seus determinantes estruturais: demanda final; penetração das importações e mudança tecnológica.
De modo simplificado(2), o primeiro componente capta os efeitos diretos e indiretos da demanda final sobre a geração de emprego.
O segundo componente capta os empregos que deixam de ser gerados em função da penetração de importações, tanto para bens finais quanto intermediários. Já no caso da mudança tecnológica, que está intrinsecamente ligada a ganhos de produtividade na economia, computamos o nível de emprego que é “poupado” em virtude de uma função de produção mais eficiente.
Vale lembrar que os dados consolidados das Contas Nacionais foram divulgados até 2009. No entanto, optou-se por não incluir esse último ano na análise, uma vez que sua introdução dificultaria a interpretação de um movimento estrutural, em razão do forte choque externo associado à crise internacional.

Comportamento do emprego entre 2000 e 2008
O comportamento do emprego no período em estudo pode ser dividido em dois momentos bastante distintos. O primeiro, entre 2000 e 2004, foi marcado por um ritmo mais forte, com geração de cerca de 7,6 milhões de ocupações, o que equivale a uma taxa média de 2,8% a.a. Não obstante, também foi um período marcado por maior volatilidade, como se observa no Gráfico 1. O segundo período, entre 2004 e 2008, teve geração de empregos ligeiramente menor – 6,8 milhões (ou 2,1%a.a.) –, porém com maior estabilidade.

As diferenças entre os períodos se manifestam com mais intensidade quando se parte para uma análise de decomposição estrutural. A Tabela 1, a seguir, apresenta o resultado da decomposição estrutural do emprego para o agregado da economia.

Como se observa, considerando todo o período 2000-2008 o principal fator de absorção de emprego foi o crescimento da economia, refletido pelo aumento da demanda final. Mas a análise desse componente deixa particularmente clara a diferença entre os dois subperíodos. Tanto o consumo, quanto a formação bruta de capital, contribuíram mais para a geração de emprego no período 2004-2008 quando comparado a 2000-2004. Isto reflete o ciclo de crescimento econômico do período, associado ao processo de redistribuição de renda e aumento do crédito(3).

Com relação ao resultado das importações sobre o emprego, nota-se que, entre os anos 2000 e 2004, a contribuição das importações foi positiva para a geração de empregos, em virtude de uma redução no coeficiente de  importação da economia brasileira. No período seguinte, o resultado se inverte e o aumento na penetração de importações passa a contribuir com um saldo negativo de 1,3 milhões de empregos.
A mudança tecnológica, por seu turno, teve importante papel na redução de empregos na economia brasileira, com contribuição negativa de 5,3 milhões de empregos, em todo o período 2000-2008. Esse resultado foi conduzido pelo período 2004-2008, quando a mudança tecnológica subtraiu cerca de 8,2 milhões de postos de trabalho. Tal fato reflete, sobretudo, o aumento da produtividade da economia naquele período.
Um ponto importante que deve ser enfatizado é que aqui estaremos considerando o impacto estático da mudança tecnológica sobre a geração de emprego –onde maior eficiência técnica reduz emprego. De fato, há um aspecto dinâmico importante, no qual uma melhoria tecnológica deve aumentar o lucro, induzindo a um maior investimento, o que, consequentemente, aumenta o emprego.

Quando se compara os períodos 2000-2004 e 2004-2008, nota-se que, apesar da semelhança nos números totais – com vantagem, inclusive, para a primeira fase –, há uma diferença significativa nos determinantes da variação do emprego. Ao passo que o primeiro período foi marcado por estagnação da produtividade – o que se reflete na geração positiva de emprego associada ao componente de mudança tecnológica, o segundo período caracterizou-se por força do mercado doméstico como elemento indutor do emprego e aumento da produtividade.

Resultados setoriais
Os resultados da decomposição estrutural da variação do emprego apresentados na seção anterior têm grande variação intersetorial.
Nesse sentido, é interessante ter um mapeamento do que ocorreu com os setores da economia, ao longo do período 2000-2008.
A Tabela 2 apresenta as taxas de crescimento médias do emprego, por setores da economia. Embora o crescimento do emprego total tenha variado pouco, há importante discrepância setorial. Nesse sentido, chamam a atenção a Agropecuária, que passou de uma taxa de crescimento de 1,7% para 2,4%, entre 2000-2004 e 2004-2008 e Construção Civil, cuja taxa de crescimento saltou de 1,3% para 5,3%. Outro setor que também apresentou mudança razoável no ritmo de crescimento foi Comércio, que passou de 3,4% a.a. para 2,3% a.a.

A análise de decomposição estrutural lança luz sobre como os setores foram atingidos de forma diferente pela expansão da demanda final e por mudanças tecnológicas e na competitividade da economia. As Tabelas 3 e 4apresentam a decomposição do emprego setorial, respectivamente, nos períodos 2000-2004 e 2004-2008.

Entre 2000 e 2004, o padrão de crescimen to do emprego foi baseado nos efeitos diretos e indiretos da demanda final e na estagnação da produtividade da economia. Setorialmente, entretanto, há algumas exceções a esse padrão geral. Agropecuária, por exemplo, apresentou contribuição negativa da mudança tecnológica para a geração de empregos, pois foi um setor onde houve, de fato, ganho de produtividade. Construção Civil e Comércio tiveram um efeito negativo da demanda final sobre a variação do emprego. Serviços, por outro lado, contaram com significativa participação da demanda doméstica para a criação de novas ocupações.
Comparando-se as tabelas 3 e 4, percebe-se que, com exceção de agropecuária, os demais setores ampliaram a geração de ocupações no período 2004-2008. De modo geral, esse processo ocorreu com mudança tecnológica e forte expansão da demanda final.


Na agropecuária, por seu turno, a geração de empregos entre 2004 e 2008 foi negativa e fundamental para explicar a menor geração de empregos no agregado da economia naquele período. Tal fato se deu em razão de processo de mudança tecnológica que já vinha ocorrendo, mas se intensificou entre 2004 e 2008, quando mais de 5 milhões de empregos foram poupados. Assim, a intensificação do processo de ganho de produtividade na agropecuária tem um papel preponderante para explicar o efeito tecnológico negativo sobre o emprego no período 2004-2008.

Na indústria, houve uma mudança radical no padrão de geração de empregos. A despeito de o valor total ser bem próximo nos dois períodos, a estrutura é totalmente distinta. Entre 2000 e 2004, os empregos gerados distribuíram-se de forma relativamente equilibrada entre demanda final, redução nas importações e a uma perda de produtividade.
No período 2004-2008, por seu turno, os empregos foram gerados em decorrência do aumento na demanda final, em especial consumo das famílias e investimento, com mudança tecnológica e importações contribuindo negativamente para o total de empregos gerados pelo setor. Isso reflete o processo deganho de produtividade do setor ao longo do período e o incremento no coeficiente de importações setorial.

No setor de construção civil, a demanda doméstica, em virtude da ampliação da formação bruta de capital fixa, no período 2004-2008, passou a contribuir positivamente com mais de 1 milhão de empregos. Vale ressaltar que mesmo com um significativo ganho de escala, não houve ganho de produtividade que se traduzisse em redução de empregos.
Por fim, Comércio e Serviços geraram, em conjunto, um milhão de empregos a mais no período 2004-2008. A principal diferença entre os períodos se deu na mudança tecnológica, que passou a contribuir de maneira importante para uma menor criação de empregos.
A Tabela 5 a seguir resume a contribuição dos componentes estruturais para a geração de emprego em cada setor da economia, nos períodos 2000-2004 e 2004-2008. O componente com maior contribuição, em cada um dos períodos, é destacado com letras maiúsculas. Chama atenção o aumento da importância da demanda final como principal fator explicativo emprego.

Como visto, a geração de emprego no período 2004-2008 foi sustentada por um aumento da demanda interna. Este aumento foi favorecido por uma melhor distribuição de renda e pela forte expansão do crédito no período. Por outro lado, houve um aumento da produtividade, especialmente na agropecuária, que limitou a absorção de mão de obra. Nessa seção, discutimos os fundamentos desse ganho de produtividade no período.
Uma fonte do aumento de produtividade é o ganho de eficiência técnica, onde o trabalhador consegue aumentar a sua capacidade de produção/hora, seja devido a um aumento de sua qualificação, seja devido ao acesso a um posto de trabalho mais intensivo em capital ou com tecnologia mais moderna. O Gráfico 2A ilustra uma dimensão do aumento da qualificação da população brasileira em termos do avanço educacional: a fração da população com segundo grau completo cresce a um ritmo acelerado entre 2001(4) e 2008 (de fato, dando continuidade a um processo iniciado em meados dos anos 90), aumentando 10 p.p. no período.

Como pode ser observado no Gráfico 2B, houve também um aumento significativo da formalização no período 2000-2008 e, ao contrário do caso da educação, onde o avanço foi uniforme ao longo do período, aqui o aumento da formalização foi concentrado no período pós-2004, o que ajuda a explicar a recuperação da produtividade a partir daí.
Além da eficiência técnica, a produtividade média na economia pode aumentar quando há uma mudança na composição setorial do emprego, com trabalhadores se deslocando de setores com baixa produtividade para setores com alta produtividade.
A Tabela 6 mostra a decomposição do ganho de produtividade em ganhos decorrentes de eficiência técnica dentro dos setores e ganhos decorrentes de mudanças na composição do emprego entre setores(5), onde se observa que ambos os efeitos foram importantes para explicar a recuperação da produtividade no período 2004-2008. Destaque-se a queda significativa do emprego na agropecuária no período 2004-2008, bem como a expansão mais lenta do emprego no comércio nesse período (como mostrado na Tabela 2), setores que têm produtividade inferior à média.
Note-se que parte do ganho de produtividade associado ao efeito composição está relacionado ao aumento da formalização do emprego. Isto porque a redução do emprego na agropecuária, setor com menor grau de formalização, se deu com aumento do emprego em setores onde o grau de formalização é mais alto.

Conclusão
Ao longo da última década, a economia brasileira passou por importantes mudanças, com destaque para o aumento do mercado doméstico, resultante de uma significativa redistribuição de renda e aumento do crédito.Além disso, ocorreu maior formalização do trabalho, em todos os setores, e forte acréscimo do nível médio educacional na população brasileira.

Todos esses fatores levaram a um quadro de crescimento econômico, com geração de 15 milhões de empregos, entre 2000 e 2008.
Esse período, no entanto, pode ser dividido em duas fases distintas. Na primeira, entre 2000 e 2004, a geração de empregos baseou-se, além do impacto positivo da demanda final, no ajuste externo, pós-adoção do câmbio flutuante, que levou a forte crescimento das exportações e redução da penetração de importações na economia brasileira. Nesse período, apenas agropecuária apresentou ganhos significativos de produtividade, ao passo que os demais grandes setores empregadores tiveram sua produtividade estagnada (Indústria de Transformação) ou mesmo em queda (Construção, Comércio e Outros Serviços).

Já entre 2004 e 2008, as novas ocupações foram resultado de uma forte ampliação do mercado interno, que permitiu ganhos de escala, traduzidos em aumentos de produtividade que se espalharam por outros setores da economia, mas cujo destaque continuou sendo a agropecuária. Esse processo gerou um círculo virtuoso de aumento de renda, maior formalização no mercado de trabalho e geração de empregos, com ganhos de produtividade suficientes para viabilizar a manutenção deste movimento e estabe- lecendo a base para um ciclo de crescimento sustentado.
Nesse momento, em que a taxa de desemprego alcança patamares mínimos históricos, a discussão sobre a necessidade imperativa de ganhos de produtividade ganha corpo. Esse estudo, ao lançar luz sobre o movimento de geração em empregos entre 2000 e 2008, possibilita algumas inferências que podem servir de base para os próximos anos.
Em primeiro lugar, a contínua expansão da qualidade da mão de obra, bem como o aumento da formalização, em especial no período 2004-2008, contribuíram, pelo lado da oferta, para o crescimento da produtividade.
Uma vez que o setor informal ainda tem um peso muito grande na economia brasileira, e o país ainda registra um déficit educacional significativo frente aos países desenvolvidos, ainda há um espaço substancial para aumentar tanto o grau de formalização quanto o nível educacional da força de trabalho no país, contribuindo assim para acelerar o crescimento da produtividade.

Em segundo lugar, a ampliação do mercado consumidor, no período 2004-2008, gerou as bases para um ganho generalizado de produtividade pelo lado da demanda. A extensão do mercado possibilita ganhos de produtividadedecorrentes de economias de escala e também em razão da mudança de composição setorial da economia.
Por fim, cumpre destacar que ainda há um espaço para elevação da produtividade com o deslocamento de mão de obra para setores mais produtivos, especialmente a partir da Agropecuária, que tem o menor nível de produtividade entre os grandes setores. O processo de mecanização e aumento de eficiência técnica – o que per se aumenta a produtividade no setor –, aliado ao fato de o contingente de mão de obra ainda empregado no setor ser muito elevado quando comparado ao de outros países (quase 18% no Brasil contra cerca de 2% nos EUA, por exemplo), deve permitir a continuidade do deslocamento do emprego desse setor para outros onde a produtividade será mais elevada nos próximos anos.

(1)Em todo o texto, a análise exclui Administração, saúde e educação públicas e seguridade social.
(2) Para detalhes sobre esse método, ver Kupfer et al (2003) “Decomposição estrutural da variação do produto e do emprego entre 1990 e 2001 – uma estimativa a partir das matrizes insumo-produto”.
(3) Os números 84 e 85 do Visão do Desenvolvimento tratam da importância do crédito e da redistribuição de renda, respectivamente, para o
aumento do consumo e geração de emprego na última década.
(4) A PNAD não foi realizada no ano 2000.
(5) A discussão detalhada dessa metodologia de decomposição é apresentada no Visão do Desenvolvimento n. 101.

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