Argumentos contra o Caixa Dois
Enviado por luisnassif, seg, 03/09/2012 - 15:41
Por Gunter Zibell - SP
Por que eu sou contra "Caixa 2"
É um recurso de defesa jurídica dizer-se que Caixa 2 não era crime. Era crime não previsto e/ou não punível e advogados têm o direito de defender seus clientes com base nessa tese. Mas isso não quer dizer que se trata de inocência perante a sociedade, apenas perante o sistema penal.
Por motivos políticos há quem queira se escandalizar com Caixa 2 em campanhas partidárias, exagerando sua gravidade (e apenas por não ser a “bola da vez”.) Há quem queira reduzir a questão a uma simples gafe. Isso depende do lado em que se está em cada momento. Se eu sou pedestre e um carro invade a faixa de segurança na minha frente, tal motorista é um assassino em potencial. Se eu sou o motorista e breco em cima da hora num cruzamento, sou apenas um motorista distraído e é exagero dos outros ficar observando que eu avancei apenas dois metrinhos... É por aí. Mas agora são sete pontos na carteira para quem for flagrado nessa infração.
Este não é mais um manifesto do “cansei”. Enquanto as regras eram claramente não observadas por vários campos cabia-me apenas, nesse “empate” infeliz, escolher os programas que mais representassem minhas convicções em áreas diversas de interesse. Mas agora surge uma oportunidade de enxergar as coisas de outro modo.
Se empresas querem doar fundos para partidos devem fazê-lo por doações registradas. Existem limites para isso (como percentual de patrimônio líquido ou de faturamento) e é bom que seja tudo transparente para que a sociedade veja quem doa para quem e possa imaginar seus porquês. Toda peça de campanha deve ter um número registrado no STE para que se possa acompanhar onde o dinheiro que entrou foi usado. Há normas contábeis para isso e os partidos prestam contas aos TREs. O sistema é notadamente classista, favorece quem tem boas ligações com grandes empresas, mas é claro e deve ser seguido enquanto for o que está legalmente valendo.
Se empresas, ongs, fundações, etc doam "por fora" isso não é neutro mesmo que não se trate de recursos públicos. Essa “relativização” não cabe. Não se trata de dinheiro privado indo anonimamente pra caridade. Doam para obter algum favorecimento. Fazem esquemas de contratar consultorias a preços acima de mercado para contornar os sistemas atuais de controle e observação. Empresários podem ser favorecidos de vários modos após, com omissão de fiscalização, por exemplo, muito comum no setor imobiliário e na produção agrícola. Com benefícios fiscais na produção industrial. E aí recursos públicos estão em jogo: se arrecada menos em multas e impostos. As melhores decisões para o interesse público podem não ser encaminhadas no Legislativo. Há muitos exemplos de como a convivência com financiamento oculto de campanhas pode ser prejudicial à modernização das instituições.
Não é porque todos praticam que se justifica. Não é porque um eventual fim é meritório que se justifica um meio dúbio.
O julgamento da Ação penal 470 trouxe um elemento inovador e, a princípio, perigoso, o da flexibilização em torno de comprovações. Em português corrente, tem se dito que o STF atual está sendo muito mais duro na interpretação de fatos e aplicação de princípios que no tempo do julgamento de Collor ou outros casos nesse meio tempo. Isso é fato e, possivelmente, talvez fosse mais justo não ficar mudando regras do jogo depois de começado. Mas há erro também em quem não questionou as regras há mais tempo... Não há obrigação em copiar maus hábitos.
Se isso que vemos agora é perseguição partidária só saberemos quando outros casos vierem a ser julgados no futuro. Se as “novas regras” prevalecerem talvez não seja tão ruim, houve um ativismo do Judiciário para modernizar a sociedade (e não seria a primeira vez, dado o imobilismo histórico do nosso Legislativo.) Se, contudo, no futuro próximo voltarmos às interpretações antigas, aí estará caracterizado que houve um julgamento por encomenda.
De qualquer modo, a discussão avançou enormemente com benefícios para a sociedade brasileira e seu sistema político. Trabalhemos para que um tempo de maior transparência se afirme.
A Reforma Política voltará à pauta e com isso a discussão sobre financiamento público exclusivo de campanhas eleitorais. Se prevalecer este, isso será bom ao prever, para pequenas agremiações partidárias sem acesso a grandes doações (lícitas ou não), a possibilidade de se fazer campanhas mais visíveis, com maior democratização do acesso do eleitor a diferentes conteúdos programáticos, afinal, esse é o espírito (e o limite) da democracia representativa partidária.
Que não se conte, contudo, com o desaparecimento do Caixa 2 mesmo com essa ainda incerta modernização da legislação eleitoral. Afinal, os recursos disponíveis nos caixas privados continuarão existindo. Aliás, existirão ainda mais, pois o fluxo que hoje vai por “vias normais” não seria mais necessário, já que os partidos receberiam grande soma diretamente dos cofres públicos.
Assim, também parece interessante para a sociedade que se criminalize de vez a prática de Caixa 2 no financiamento de partidos. Não só na "opinião publicada", mas nas nossas próprias consicências. No curto prazo alguns partidos, por serem perseguidos pela imprensa, sofrerão um pouco mais e isso parecerá injusto. Mas poderão fazer uma minimização de prejuízos ao colocarem em público também tudo o que sabem da prática exercida por seus adversários. Talvez não consigam para eles condenações penais, mas podem lhes obter uma condenação do público.
Independentemente de quem tenha mais “culpa no cartório”, vai pegar muito bem pra quem começar primeiro a se livrar do costume indevido. Mesmo que isso envolva um certo trabalho de autocrítica.
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