quinta-feira, 1 de novembro de 2012



A troca de comando no poder da China
Enviado por luisnassif, qui, 01/11/2012 - 11:19
Por Assis Ribeiro

Do Valor

Disputa pelo poder na China exibe as marcas do passado

As incertezas sobre a economia chinesa já seriam, por si só, um cenário conturbado para a troca de guarda no comando do país, cujas formalidades se iniciam no dia 8 de novembro, no 18º Congresso do Partido Comunista Chinês. A notícia de que familiares de membros da alta hierarquia do governo, monopólio do PCC, chegaram a arrebatar fortunas em negócios à sombra do Estado, como os US$ 2,7 bilhões acumulados pela mulher, mãe, filhos e outros parentes do premiê Wen Jiabao, mostra que a disputa pelo poder esteve longe de ser pacífica. Antes disso, já ocorrera a expulsão do líder em ascensão Bo Xilai, abatido em pleno voo em direção ao Comitê Permanente do Partido - instância máxima de decisão nacional. A reportagem do "The New York Times", rapidamente censurada pelo governo na mídia chinesa, sugere não só intensa rivalidade entre facções com interesses e políticas divergentes, como também a vasta apropriação privada dos benefícios do invejado crescimento chinês por pessoas do aparelho de Estado, ou com fortes conexões, familiares ou não, com ele.

Wen Jiabao era um defensor da linha "liberal" dentro do partido, o que deve ser entendido em termos da ditadura chinesa - um pregador de reformas que melhorem a eficiência da economia. Entre várias outras coisas, isso significa agora diminuir o gigantesco poder que as estatais desfrutam e permitir que os mecanismos de mercado possam ganhar mais força na determinação de investimentos e preços. O premiê disse recentemente, ao propor mudanças no rumo da economia, que o desenvolvimento do país era "desequilibrado, descoordenado e insustentável".

Wen e uma parcela da alta hierarquia partidária pregaram o redirecionamento para o mercado doméstico, uma receita que implica papel preponderante do consumo diante do investimento e uma melhoria na distribuição de renda. Ambas ferem interesses fortemente enraizados.

A desigualdade cresceu mais velozmente na China do que em qualquer outro país nos últimos 20 anos, apontou o Fundo Monetário Internacional. Uma recente Pesquisa Financeira Domiciliar concluiu que os 10% dos domicílios mais ricos do país detêm 57% da renda e 85% de toda a riqueza ("Folha de S.Paulo", 28 de outubro) - uma concentração maior que a brasileira, já alta (44,5%). A revelação da fortuna familiar de Wen pode pôr em dúvida sua sinceridade na defesa da bandeira da redistribuição de renda.

No mais que restrito círculo do poder comunista chinês, porém, nepotismo e benefícios escusos não são proscritos, mas disseminados, como foram nos carcomidos regimes stalinistas do Leste Europeu. Eles só viram crimes se misturados à ambição política, como parece ter sido o caso de Bo Xilai, cujo enriquecimento só veio a público quando ele arregimentou suficiente apoio político para ingressar no Comitê Permanente do Politburo. Bo agradava à ala "esquerda" do PCC, um termo que poderia designar, além de odes ao velho Mao Tsetung, a preferência por algum igualitarismo e a ojeriza à receita de enriquecimento sem freios dos últimos tempos. Nada a ver com os velhos ideais comunistas, e sim com receitas populistas para galvanizar apoio popular.

A disputa pelo poder na China parece ter seguido a máxima do "quem não for rico que atire a primeira pedra". O próximo presidente do país, Xi Jinping, que substituirá em março Hu Jintao, após ser aclamado pelo simbólico Congresso Nacional do Povo, tem parentes com negócios milionários no setor de minérios, imóveis e equipamentos de telecomunicações, revelou a "Bloomberg" em junho. Xi desapareceu por semanas recentemente, gerando especulações sobre um grau incomum de conflito pelo poder nos bastidores. Ele terá a seu lado na direção da China nos próximos dez anos o premiê Li Keqiang, o vice de Wen Jiabao.

Não se sabe quase nada do que pensam essas estrelas em ascensão. Ainda que todas as cartas estejam sendo jogadas secretamente, as decisões que terão de tomar no poder são conhecidas. Ao lado das reformas econômicas virá maior grau de liberdade política, anseio ilustrado pela onda crescente de descontentamento popular? Nos últimos dez anos, ocorreu o contrário. Se as reformas econômicas forem para valer, o choque entre interesses novos e estabelecidos tenderá a buscar a luz do dia. No passado, isso sempre foi reprimido pelo PCC. Há poucas dúvidas se o futuro será diferente.

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