A embalagem paraguaia do direito alemão
Enviado por luisnassif, sab, 13/10/2012 - 09:34
Por Toni
Nassif, tenho lido constantemente por quem defende o sentenciamento dos acusados no julgamento da AP490 sobre a nova jurisprudência adotado pelos ministros do STF, incorporada do direito alemão sobre condenação por indícios.
O fato é uma aberração jurídica vergonhosa. Sem sublinhar que mesmo assim este tipo de julgamento tem muitos críticos entre os juristas na própria Alemanha. Apenas alguns pontos:
1- Na Alemanha a função do juiz difere do Brasil. Lá o magistrado atua não apenas baseado no que apresentou a promotoria, como foi o caso da AP490. O juiz tem o papel até mesmo de detetive nos casos, indo além do que a acusação apresenta ou a defesa argumenta. Ele é policial, detetive, promotor e advogado de defesa ao mesmo tempo, para dar uma idéia simplificada de seu papel.
2- Durante o julgamento o acusado é ouvido minuciosamente e sua palavra tem o mesmo peso de uma testemunha de acusação.
3- Ou os indícios não podem ser levados em conta se apresentados por testemunhas que são ao mesmo tempo envolvidas no julgamento (réus) e com interesses pessoais no caso.
4- Ou os indícios não podem se fundamentar de forma subjetiva, até especulativas, como no caso das relações entre a ex-mulher de Zé Dirceu e Marcos Valério, mas de forma concreta, por exemplo, como encontrar uma faca com sangue na cena do crime, que definitivamente se pode provar que pertencia ao acusado, ainda frisando que isto não seria por si só motivo para condenação por indício. O direito alemão se refere ao "Indizienkette" ou "Indizienreihe", ou seja, uma série de indícios como necessidade para o sentenciamento.
5- Nenhum processo deste tipo na Alemanha, mais ainda com condenação por indícios, questionável na forma e no mérito no Brasil, pode ter cerceado o direito de apelação aos condenados.
Não acompanhei todo o julgamento, mas tenho a impressão, embora não seja jurista, que os senhores ministros do STF deram uma embalagem paraguaia ao direito alemão para arrazoar o casuísmo que introduziram no país. Pode nem ser proposital, mas puro despreparo mesmo.
Editorial: Kit evangélico
Folha On-line
A imagem do candidato tucano José Serra já foi mais associada a valores liberais, cultivados por grupos tanto à esquerda quanto à direita do espectro partidário.
Tais valores informam que preferências sexuais e religiosas são assunto da órbita privada; ao homem público caberia manter equidistância de lobbies que, na defesa legítima de seus interesses, acabam por conferir relevo exagerado a temas da esfera íntima.
Na corrida presidencial de 2010, ao explorar contradição da petista Dilma Rousseff --que se dizia favorável à descriminalização do aborto, mas recuou na campanha de maneira oportunista--, Serra já havia selado uma aliança com o conservadorismo evangélico. Sua atual peregrinação por templos e a aceitação graciosa de apoiadores que flertam com a intolerância indicam um caminho sem volta.
Tal rota pode render-lhe resultado nas urnas, sem dúvida. Pesquisas, como a realizada pelo Datafolha em setembro, indicam que convicções conservadoras são partilhadas por amplos setores da sociedade paulistana. Mas não há como comer do bolo conservador e, ao mesmo tempo, passar-se por liderança moderna, arejada.
Daí um certo cansaço, misturado a frustração, que se nota nos círculos mais liberais. Tanto mais quando um pastor, Silas Malafaia, defende com o espírito de cruzados medievais a candidatura de Serra. "Vou arrebentar em cima do Haddad", jactou-se o líder religioso.
O pretexto é o famigerado "kit gay", tentativa desastrada do então ministro da Educação, Fernando Haddad (PT), de produzir um material --de formulação discutível-- contra intolerância sexual nas escolas. Como já se tornou hábito no petismo, após o estrago e a grita dos religiosos, recuou-se completamente, e o próprio Haddad tentou desvencilhar-se da proposta.
O "kit gay", por qualquer ângulo que se olhe, é assunto de somenos na política pública federal. Que dirá na municipal, em que os destinos da ocupação do solo, do transporte, da assistência à saúde e do ensino assumem peso avassalador na lista de prioridades.
Ocupação do solo, aliás, integra o "kit evangélico" real, a agenda de interesses que religiosos apresentam aos candidatos. Desejam tratamento diferenciado para os templos --a fim de que possam ultrapassar os níveis de ruído exigidos de outros estabelecimentos e fixar-se onde e como queiram, a despeito das normas urbanísticas.
É preocupante a atitude amistosa de Serra com esses lobbies, bem como a disposição de Haddad de também acomodar-se a eles.
Enviado por luisnassif, sab, 13/10/2012 - 09:34
Por Toni
Nassif, tenho lido constantemente por quem defende o sentenciamento dos acusados no julgamento da AP490 sobre a nova jurisprudência adotado pelos ministros do STF, incorporada do direito alemão sobre condenação por indícios.
O fato é uma aberração jurídica vergonhosa. Sem sublinhar que mesmo assim este tipo de julgamento tem muitos críticos entre os juristas na própria Alemanha. Apenas alguns pontos:
1- Na Alemanha a função do juiz difere do Brasil. Lá o magistrado atua não apenas baseado no que apresentou a promotoria, como foi o caso da AP490. O juiz tem o papel até mesmo de detetive nos casos, indo além do que a acusação apresenta ou a defesa argumenta. Ele é policial, detetive, promotor e advogado de defesa ao mesmo tempo, para dar uma idéia simplificada de seu papel.
2- Durante o julgamento o acusado é ouvido minuciosamente e sua palavra tem o mesmo peso de uma testemunha de acusação.
3- Ou os indícios não podem ser levados em conta se apresentados por testemunhas que são ao mesmo tempo envolvidas no julgamento (réus) e com interesses pessoais no caso.
4- Ou os indícios não podem se fundamentar de forma subjetiva, até especulativas, como no caso das relações entre a ex-mulher de Zé Dirceu e Marcos Valério, mas de forma concreta, por exemplo, como encontrar uma faca com sangue na cena do crime, que definitivamente se pode provar que pertencia ao acusado, ainda frisando que isto não seria por si só motivo para condenação por indício. O direito alemão se refere ao "Indizienkette" ou "Indizienreihe", ou seja, uma série de indícios como necessidade para o sentenciamento.
5- Nenhum processo deste tipo na Alemanha, mais ainda com condenação por indícios, questionável na forma e no mérito no Brasil, pode ter cerceado o direito de apelação aos condenados.
Não acompanhei todo o julgamento, mas tenho a impressão, embora não seja jurista, que os senhores ministros do STF deram uma embalagem paraguaia ao direito alemão para arrazoar o casuísmo que introduziram no país. Pode nem ser proposital, mas puro despreparo mesmo.
Editorial: Kit evangélico
Folha On-line
A imagem do candidato tucano José Serra já foi mais associada a valores liberais, cultivados por grupos tanto à esquerda quanto à direita do espectro partidário.
Tais valores informam que preferências sexuais e religiosas são assunto da órbita privada; ao homem público caberia manter equidistância de lobbies que, na defesa legítima de seus interesses, acabam por conferir relevo exagerado a temas da esfera íntima.
Na corrida presidencial de 2010, ao explorar contradição da petista Dilma Rousseff --que se dizia favorável à descriminalização do aborto, mas recuou na campanha de maneira oportunista--, Serra já havia selado uma aliança com o conservadorismo evangélico. Sua atual peregrinação por templos e a aceitação graciosa de apoiadores que flertam com a intolerância indicam um caminho sem volta.
Tal rota pode render-lhe resultado nas urnas, sem dúvida. Pesquisas, como a realizada pelo Datafolha em setembro, indicam que convicções conservadoras são partilhadas por amplos setores da sociedade paulistana. Mas não há como comer do bolo conservador e, ao mesmo tempo, passar-se por liderança moderna, arejada.
Daí um certo cansaço, misturado a frustração, que se nota nos círculos mais liberais. Tanto mais quando um pastor, Silas Malafaia, defende com o espírito de cruzados medievais a candidatura de Serra. "Vou arrebentar em cima do Haddad", jactou-se o líder religioso.
O pretexto é o famigerado "kit gay", tentativa desastrada do então ministro da Educação, Fernando Haddad (PT), de produzir um material --de formulação discutível-- contra intolerância sexual nas escolas. Como já se tornou hábito no petismo, após o estrago e a grita dos religiosos, recuou-se completamente, e o próprio Haddad tentou desvencilhar-se da proposta.
O "kit gay", por qualquer ângulo que se olhe, é assunto de somenos na política pública federal. Que dirá na municipal, em que os destinos da ocupação do solo, do transporte, da assistência à saúde e do ensino assumem peso avassalador na lista de prioridades.
Ocupação do solo, aliás, integra o "kit evangélico" real, a agenda de interesses que religiosos apresentam aos candidatos. Desejam tratamento diferenciado para os templos --a fim de que possam ultrapassar os níveis de ruído exigidos de outros estabelecimentos e fixar-se onde e como queiram, a despeito das normas urbanísticas.
É preocupante a atitude amistosa de Serra com esses lobbies, bem como a disposição de Haddad de também acomodar-se a eles.
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